“Março”

“Diário de uma avó e de um neto em casa…Confinados”

terça – 02 de março 2021

Bom dia querida avó,

Começou um novo mês. Mês em que chega a Primavera.

Um mês cheio de oportunidades … de estarmos em casa.

Para além das muitas datas que se assinalam diariamente destaco as seguintes: Dia da Mulher, Dia do Pai, Dia Internacional da Felicidade, que quis o destino fosse o teu dia de aniversário (nem podia ser outro!), Dia Mundial da Árvore, Dia Mundial da Poesia, Dia da Água, Dia Mundial do Teatro e tantos outros.

Será acima de tudo o mês e em que, esperamos todos, se possam dar passos largos para o tão desejado desconfinamento.

Como diz o ditado “Março, marçagão, de manhã Inverno, de tarde  Verão.” Cada vez é mais difícil manter as pessoas em casa.

Está tudo saturado, andamos nisto há um ano. Já ninguém ouve as notícias. Morrer 10 ou 100 pessoas, para a maioria  é praticamente indiferente.

Segundo os jornais, as estatísticas indicam que metade da população portuguesa andou na rua este fim de semana. Como eu os entendo. Ao mesmo tempo só me faz lembrar a letra do Zeca Afonso “A morte saiu à rua num dia assim/naquele lugar sem nome para qualquer fim”.

Saímos porque estamos fartos de estar fechados, tal como tantos saíram no Natal pois “era o que mais faltava não visitar os meus familiares!” Depois, foi o que se viu.

Já todos sabemos que este confinamento de brincadeirinha vai durar até à Páscoa. Este ano não vamos ver montras com ovos e coelhinhos. Só nos hipermercados.

Por falar em coelhos, cada vez se fala mais do Passos Coelho. Se isso acontecer teremos “O Regressado”.

Por falar em regressado, parece que Donald Trump ameaça voltar… felizmente, para bem da humanidade, isso não será para breve (esperamos nós)!

Bom, uma coisa é certa, temos mais um mês para estar em casa confinados, mas com as nossas mentes livres para pensar e escrever novos capítulos no nosso “Diário”.

Beijinhos e que tenhas um mês, acima de tudo com muita saúde e alegria.

Querido neto

As coisas de que te foste lembrar… Nem o Passos Coelho te escapou, caramba.

Mas, dentre tantas que mencionaste, gostava de falar aqui contigo de duas.

A primeira é o Dia Internacional da Felicidade, aprovado pela ONU desde 2012.

A ideia para a criação deste dia partiu do minúsculo reino budista do Butão (naquele fim do mundo dos Himalaias, encravado entre a China, ao norte, e a Índia, ao sul) que, em vez do PIB (Produto Interno Bruto), adota como estatística oficial a “Felicidade Nacional Bruta”. Isto em português soa um bocado mal, mas espero que em butanês (ou na língua que lá se fala) soe bastante melhor.

Olha que bom, num mundo com tanta tragédia, sobretudo nestes nossos tempos atuais, haver um dia consagrado à Felicidade.

No dia 20 de Março, como todos sabemos, acaba o inverno. O que significa também que a Felicidade vai ficar ligada à primavera e, como tantas vezes diz o  Cardeal D. Tolentino Mendonça, “todos fomos feitos para a primavera.”

E, em tempos de crise e de depressão, como a que vivemos, nunca é demais lembrá-lo.

Mas também, deixa que te diga,  não me agradava lá muito uma felicidade como a que se vive no Butão.

O Butão é um reino minúsculo, completamente isolado e fechado ao mundo, onde as pessoas vivem da agricultura como na idade média, dividindo o seu tempo entre o trabalho na terra e as idas aos templos. Preservam esse isolamento para que, segundo afirmam, nada possa alterar a tradição e os rituais. São muito raros os estrangeiros que por lá se aventuram.

O Butão tem uma paisagem deslumbrante, mosteiros magníficos, e uma única estrada a atravessar o país. Praticamente não se usa dinheiro, não há consumo.

No Butão é-se feliz porque também não se pode ser outra coisa. E é isso que me apavora. O bem e o mal têm de coexistir, a alegria e a tristeza, as dúvidas e as certezas.

Que mérito poderá ter a minha luta pela felicidade se não tenho de combater a infelicidade?

Como posso discutir ideias se não há nada para discutir?

Como se pode ser herói se não há obstáculos a vencer?

Como poderíamos desejar tanto a primavera, se não houvesse inverno?

É muito bom que se encontre um dia no ano para se questionar a nossa Felicidade (ou a falta dela). Mas aflige-me muita a felicidade por decreto.

Até porque o que é felicidade para uns, pode não o ser para outros.

O grande poeta brasileiro Carlos Drummond de Andrade escreveu que “há duas épocas na vida, a infância e a velhice, em que a felicidade está numa caixa de bombons”.

 A outra coisa de que te queria falar tem a ver com a canção do Zeca Afonso que mencionaste. ”A Morte Saiu à Rua” tem a ver com o assassínio, pela Pide, do pintor José Dias Coelho. O meu marido (que eu então ainda nem sonhava que viria a ser meu marido) era muito amigo dele, e viviam muito perto. Nessa tarde de Dezembro de 1961  estavam ambos em casa do pintor, na Rua da Creche, possivelmente  a tratar de assuntos relativos ao Partido Comunista. O Mário saiu para ir para o jornal e, ao chegar ao fim da rua ,ouve um tiro. O pintor tinha sido assassinado. Tinha  38 anos.

Também os “Trovante” têm uma canção a falar do mesmo: “À flor da vida/o peito te vararam/ teu sangue derramaram/ os olhos te vidraram, companheiro”.Se não conheces, aproveita e vai ouvir.

Aí tens uma história que muito provavelmente não conhecias.

Fica bem. Temos muito para fazer ao longo do mês.

Outros capítulos aqui: “Diário de uma avó e de um neto em casa Confinados”