“Mário Zambujal”

“Diário de uma avó e de um neto em casa…Confinados”

sexta – 05 de março 2021

Bom dia querida avó,

Então o “Bom Malandro “ do Mário Zambujal  faz 85 anos?

Hoje não vou alargar-me muito neste nosso “Diário”. Não por não existir muito para dizer sobre o Mário, mas por que tenho imenso que fazer. É o que dá estar em confinamento…

No entanto, não posso deixar de partilhar algumas coisas.

Tenho ideia que as minhas primeiras memórias do Mário Zambujal eram como jornalista desportivo na RTP, como apresentador do “Grande encontro”. Para além da televisão, recordo-me do Mário ter participado em programas de rádio. Lembro-me de um, em particular, na Rádio Comercial, com Carlos Cruz, julgo que se chamava “Pão com Manteiga”, e que depois até foi editado em livro.

Como diria o Sinhozinho Malta: “Estou certo ou estou errado”?

Mas tu, com 60 anos de carreira de jornalista, certamente cruzaste-te com o Mário nos diversos jornais por onde passaram.

O Mário foi jornalista de A Bola, sub-director do jornal desportivo Record, chefe de redacção do jornal O Século e do Diário de Notícias, director do jornal de espetáculos Se7e , do semanário Tal & Qual, e do jornal “Sénior”, e colunista do diário 24 Horas.

Deste longo percurso, em quais trabalharam juntos?

O Mário é Presidente do Clube de Jornalistas há vários anos.

Para além de jornalista, é um belíssimo escritor. Penso que tem cerca de 30 livros publicados, talvez sejam mais.

O ano passado li “O Rodopio” e  “Uma noite não são dias”, os livro mais recentes.

A “Crónica dos Bons Malandros”, publicado em 1980, é um grande livro. Passados 41 anos, ainda é uma referência para tantos, transversal a várias gerações, adaptado há 10 anos para um musical, para um filme e, mais recentemente, para uma série na RTP.

A 30 de Julho de 1984 Mário Zambujal foi feito Oficial da Ordem do Infante D. Henrique, pelo Presidente Ramalho Eanes.

Esta condecoração já tem praticamente 37 anos. Algo de estranho se passa no Palácio de Belém. Não é um “Mistério da Estrada de Sintra”—livro onde ele também entrou, com mais cinco outros autores, entre eles tu– mas não deixa de ser um mistério.

Para finalizar, não posso deixar de recordar um momento bem divertido que vivemos com o Mário.

Recordas-te quando fomos à RTP, há dois anos, e o Mário apareceu para te surpreender?

No final do programa, era ver o mulherio que assistia ao programa a acenar ao Mário, a chamá-lo, a querer tirar “selfies”…

Se fosse hoje, esse corrupio não seria possível. Não que o Mário tenha deixado de ser um galã. “Malandro” que é “malandro” não  deixa de ser galã por ser octogenário”, como ele dizia. O Mário continua a ser um galã e a encantar o mulherio. Hoje como os programas estão sem público, o episódio que testemunhámos não se voltaria a repetir. Essa é a única razão.

Para quem tinha pressa, já escrevi imenso

Fala-me tu do Mário “o terceiro Mário da tua vida”.

Beijos e até logo

Bom dia querido neto,

Se queres que te diga, nem sei quando conheci o Mário Zambujal. Ele está sempre a dizer que ainda me viu de soquetes (sabes o que isso era? Meias muito curtinhas, peúgas, uma coisa assim, que as miúdas usavam) no “Diário de Lisboa”.

É mentira. Eu tinha 18 anos quando entrei para o DL, e já não usava soquetes. Mas há outros camaradas nossos dessa altura que dizem o mesmo…Tadinhos…

O Mário teve sempre uma característica: nunca poisava muito tempo nos sítios onde trabalhava. Era no tempo pré-histórico em que, se não estávamos bem num jornal, saíamos e entrávamos logo noutro. Olha se fosse hoje..

Por isso trabalhei com ele em vários jornais: “Diário de Lisboa”, “Diário de Notícias” e “ Jornal Sénior”. Quando trabalhei no “Record” ele já lá não estava.

Era –e continua a ser—um grande jornalista, que me ensinou muito. Tinha um jeito para títulos que eu invejava imenso. Lembro-me de um dia em que uma equipa de futebol de S. Paulo ia jogar (não me lembro com quem…) e chovia que Deus a dava (ou, como dizia a minha neta Isabel, quando era pequenina, “chovia que Deus andava!”). Então ele logo ali em dois segundos arranjou título para a peça:  “São Pedro contra São Paulo”.

E um dia o Sindicato dos Espetáculos organizou no Coliseu um espetáculo (a favor já não sei de quê) que começava de tarde e se prolongava pela noite fora. O Mário marcou-me aquilo na agenda mas combinou comigo que eu cobria o acontecimento até à meia-noite, e depois ele ia ter comigo e fazia ele o resto.

E assim fizemos. E no dia seguinte eu escrevi a minha parte e ele continuou o meu texto e  escreveu a dele  e assinou…  “ZAV “

E toda a gente no jornal andou intrigadíssima, quem seria aquele ZAV? Algum colaborador novo? Só muito depois é que dissemos: eram as iniciais de “Zambujal Alice Vieira”

E fora dos jornais ele é –e foi sempre–um dos meus melhores amigos.

E tenho tantas histórias com ele, que nem sei por onde começar. Uma que o chateou imenso…Um dia íamos ao festival de literatura de Óbidos. Ele deixou o carro dele no Parque de estacionamento ao pé do Fonte Nova, e fomos todos no carro da nossa amiga (e então nossa editora) Cristina Ovídio. Regressámos deviam ser para aí 2 da manhã, e ele não encontrava o carro. Então eu disse-lhe que era melhor descer, o nosso carro ia logo atrás e, com a luz dos faróis, ele encontrava o carro dele. E assim foi. Até que a uma certa altura um carro da polícia mandou-nos parar. Tinha havido uma denúncia de alguém, que estava à janela de um dos prédios e que dissera que “andava um carro no Parque a perseguir um velhinho”. Nos só ríamos, os polícias também (que até o reconheceram), mas ele só dizia “um velhinho? onde raio é que eles viram um velhinho?” Ainda hoje falamos nisso…

E lá vai mais outra história.
Um dia, num jantar com amigos e família, para apresentação do meu segundo marido (de seu nome Mário, tal como o primeiro, como tu muito bem sabes) ele quis fazer discurso… Lá disse o que lhe apeteceu e, no final rematou: “e olha Mário, só te quero dizer mais uma coisa: eu só não ta roubo porque, arre porra, três Mários era demais”.  E ficaram grandes amigos desde então.

E pronto, querido neto. Agora vou-lhe telefonar (porque ele e os computadores nunca se entenderam…) para lhe dar os parabéns.

Não trabalhes demais. Segue aquele ditado espanhol: “o trabalho é sagrado: não lhe toques”.

Logo quando vieres trazer-me os jornais, traz-me envelopes, por favor.

Bjs

Outros capítulos aqui: “Diário de uma avó e de um neto em casa Confinados”

Espreitem os livros do Mário Zambujal aqui: Clube do Autor