Nesta 2ª parte da entrevista aos Retratos Contados, a fadista Ana Marta fala da importância de ter recebido o prémio revelação Amália Rodrigues, em 2011, e hoje partilhar os palcos com o Ruy de Carvalho, entre outros artistas.
Que recordações de infância tens ligadas ao fado?
Lembro-me de passear inúmeras vezes com a minha avó Carmelinda mãe da minha Mãe em excursões organizadas por gentes de Alfama onde todos me pediam para cantar durante as viagens.
Recordas-te do primeiro fado que ouviste?
Sim lembro-me perfeitamente, Cunha & Silva.
Fala-nos da primeira vez que cantaste o fado?
A primeira vez que cantei foi numa das coletividades emblemáticas do meu bairro grupo sportivo ADICENSE. Na altura faziam grandes noites de fado quinzenalmente. Numa noite que iriam homenagear um fadista, eu pedi á minha avó para falar com o presidente da coletividade, para eu ir ajudar nos preparativos dessa noite. Sabia que uma fadista de quem eu gostava iria lá estar a cantar aquele fado que eu adorava ouvir a partir daí foram apenas 15 dias para de ouvinte passar a fadista. Na secção de fados seguinte, perguntaram-me qual o fado que sabia, lembro-me de dizer a Lágrima e não a saber de cor, passaram para um papel os músicos tiraram-me o tom “lá” nunca mais me esqueci e desde então nunca mais parei já lá vão 18 anos.
De onde veio esse sentimento em relação ao fado?
Não é fadista quem quer mas sim quem nasceu fadista! Certamente já o tinha dentro de mim pois não é de família!
Fala-nos da primeira vez que cantaste em público?
Tremia por todo o lado mas não me lembro o q senti foi um misto de emoções sensações.
Recordas-te do que sentiste e do que recebeste do público?
Senti nervoso e respeito do público, palmas e bravo. Talvez não porque tivesse cantado assim tão bem, mas pela graça de ser tão novinha a cantar a nossa canção nacional.
Quais as referências do fado que te acompanharam quando eras mais nova? E hoje em dia?
Como costumo dizer tenho 5 mulheres que punha a cantar toda a noite só para mim: Marina Mota, Lenita Gentil , Maria da Nazaré , Maria Armanda e Maria Valejo.
Quando é que te apercebeste que esse seria o caminho a seguir?
Não me apercebi, as coisas foram acontecendo naturalmente assim como as oportunidades.
Em 2011 recebeste o Prémio Revelação nos prémios Amália.
Que significado teve para ti este prémio? O que cantaste?
Foi muito importante e gratificante! Um prémio de tamanha importância, que desde já agradeço á fundação Amália Rodrigues e seus intervenientes aos júris desse ano ao público e a todos que gostam da Ana Marta. Cantei 2 fados tradicionais o corrido numa letra dedicada a todas as mães em especial á minha claro, e cantei o fado Zé negro também ele tradicional com letra de um grande fadista e poeta que me ofereceu uma letra para inserir neste mesmo fado. Seu nome António Rocha.
Já pisaste imensos palcos em Portugal e no estrangeiro. Quais as diferenças entre Cantar em Portugal e cantar no estrangeiro? Qual o palco, que mais te marcou até hoje em Portugal e no estrangeiro?
Existem diferenças mas cada caso é um caso. O Fado não se faz, acontece! E quando acontece é qualquer coisa de mágico seja ele em Portugal ou no estrangeiro.
O fado anda mais do que nunca, pelos palcos do Mundo. No entanto, é importante o fado manter-se nos bairros e nos espaços típicos onde se canta o fado desde sempre.
Quais as diferenças entre pisar um palco numa casa de espetáculos com imensos lugares no estrangeiro, ou cantar numa casa de fados em Alfama?
Basicamente o mesmo! Respondo com a mesma resposta da pergunta anterior. No entanto, numa casa de fados e por diversos fatores, o espaço restrito, luzes comida, disposição da sala o ambiente torna se intimista o que facilita as coisas para sentir com mais intensidade o que se canta dar a sentir e claro mais facilmente acontecer fado.
O que se recebe do público em ambos os casos?
Depende do público, da nossa prestação, todos somos diferentes mas se acontecer fado e o público gostar, todas as manifestações de agrado palmas gritos etc…são super hiper mega gratificantes!
Existe explicação para o sucesso do fado além-fronteiras?
A música é universal. O Fado, esse não se explica. Sente se ….
Durante uns anos, para as pessoas mais novas, ouvir fado era uma coisa que só os pais ou os avós costumavam fazer, para os mais jovens o fado tinha caído em desuso. Isso hoje em dia não acontece.
Na tua opinião, o que fez com que o Fado passasse a estar novamente “na moda”?
Uma nova vaga de gente com bastante qualidade a cantar e tocar, inovar e enaltecer o que é nosso.
O facto de terem surgido vozes novas e novas formas de interpretar o fado, ajudou?
Sem dúvida nenhuma de uma forma geral claro…
O fado é uma canção que representa muito a emoção. Nos dias em que se sentes mais nostálgica, ao estar em cima do palco, essas emoções ficam maiores ainda?
Completamente! Muitas vezes consigo desabafar o meu descontentamento, o desencantamento, a tristeza e a alegria cantando.
Quando ouves uma sala inteira a cantar, isso faz com que cantes ainda com mais garra, ou as emoções falam mais alto e fazem com que pares de cantar?
Depende do contexto se for algo alegre fico feliz por participarem…
Que cuidados tens com a voz?
Poucos, deveria ter mais!
Há mais do que um ano que fazes parte do elenco do espetáculo “Trovas e Canções”. Fala-nos desse espetáculo.
Este espetáculo, consiste num regresso ao passado onde lembramos poetas, poemas, músicas e fados que tiveram grande importância na vida de todos nós. É um espetáculo com um formato diferente, algo intimista, onde declamamos cantamos sentimos e damos a sentir, uma espécie de uma tertúlia na sala de nossa casa entre amigos e familiares, só que transportamos isso para salas de espetáculo.
Que peso tem para ti estar no mesmo palco que o grande Ruy de carvalho?
É um grande privilégio, uma honra poder pisar as mesmas tábuas com um dos, se não o maior, “monstro” do teatro português. Tenho uma sorte … enfim… Sou uma privilegiada.
Com esta digressão acabam por passar muito tempo juntos para além do palco.
Acabam por fazer parte de uma grande família. Olhas para o Ruy de Carvalho como um avó? Ouves conselhos como “neta”?
Com certeza que sim, fora e dentro do palco vivemos numa aprendizagem constante e se Deus me deu essa honra e esse prazer, é minha função ouvir e aprender com os mais sábios como é o caso do avô Ruy de Carvalho. Adoro ouvir tanto os ensinamentos como histórias de uma vida, que este ser tão especial tem para contar.
Nasceste fadista?
Nasci (Não é fadista quem quer mas sim quem nasceu fadista).
Se não fosses fadista …
Seria mesmo o próprio fado!