Na 2ª parte desta entrevista, Dora revela-nos que o dia 6 de abril de 2015 será inesquecível! Nesse dia estreou a peça “A Noite das Mil Estrelas” e nasceu o seu 1º neto.
R.C.: Vamos começar por fazer uma breve história de onde é que nasceu, onde é que viveu os primeiros anos da sua infância, se tinha muito contacto com os seus avós ou nem por isso…
Dora: Eu nasci em Lisboa, nasci em casa, da minha avó paterna.
Entretanto eles faleceram, eu era muito pequena, e os meus pais foram morar para cascais, eu tinha 8 anos. Tive sempre uma ligação muito forte e muito presente com os meus avós maternos, inclusive com a minha avó, porque fizeram parte da nossa vida sempre. Ia a casa da avó, ia a casa do avô, e eu tive a benesse de os ter vivos o meu avô até há 5 anos atrás e a minha avó até há 2 anos, e então eles são das melhores recordações que eu tenho da minha infância e da minha adolescência.
R.C.: Dos avós paternos não tem memórias?
Dora: Não, não tenho memória quase nenhuma, realmente só os avós maternos mesmo.
R.C.: E em relação aos avós maternos, qual é que é a importância que eles tiveram nas diferentes fases da sua vida?
Dora: Eles tiveram toda a importância! A casa deles era a casa da família e então eles foram sempre para mim e para os meus irmãos um ponto de refúgio, de segurança, de carinho incondicional. Graças aos meus avós, as referências familiares de afecto, de família que eu tenho, foram de facto transmitidas por eles. Eu devo-lhes muito esta coisa maternal, de família e tal que eu tenho, porque nós fomos realmente muito amados por eles.
R.C.: E sente ter herdado algumas características dos seus avós?
Dora: Sim, eu acho que sim. Para já tenho sorte, porque eu acho que herdei a genética do meu avô, que era magrinho e sempre foi, e isso é uma vantagem! E depois acho que sou muito “Miranda”, que é do lado da minha avó, em termos de parecenças físicas e de porte e tudo, puxo mais ao lado da minha avó. Na questão de engordar felizmente saí ao lado do meu avô.
R.C.: E quais é que são as memórias mais antigas que tem dos seus avós?
Dora: As memórias mais antigas que eu tenho dos meus avós, uma delas é eu ir pela mão da minha avó, e a minha avó ia com a lancheira levar o almoço ao meu avô. Outra, nós éramos pequenitos, os meus pais moraram uma temporada em Queijas, e eles iam todos os domingos com cartuxos, que se chamava na altura, não eram sacos de plástico, eram aqueles cartões com umas risquinhas vermelhas, e traziam-nos sempre bolachinhas e biscoitos e bolinhos. E os natais!
R.C.: Que eram passados na casa dos avós?
Dora: Que eram passados na casa dos avós.
R.C.: São quantos irmãos?
Dora: Nós somos 5 a contar comigo.
R.C.: No Natal era sempre uma grande alegria, não?
Dora: Sim! Os meus irmãos mais velhos viviam com a minha bisavó, que era a minha avó Januária, e então a família reunia-se toda em torno da matriarca e os natais eram passados ali.
R.C.: Que recordações tem da bisavó Januária?
Dora: Sim, tenho, bastantes. Por exemplo, o nome dela era Januária, mas por alguma razão, ela auto-intitulou-se Piedade, então para nós era a avó Piedade, sempre foi a avó Piedade. Só quando ela morreu é que se descobriu que ela não se chamava Piedade. Foi sempre uma lutadora, teve uma vida muito difícil. Ajudou os filhos, os netos, e era a minha bisavó, pronto!
R.C.: Então e os avós? Eram avós que educavam ou eram avós mais austeros? Eram avós que permitiam aos netos fazer aquilo que quisessem?
Dora: Eu pessoalmente era uma criança um bocado complicada, e nós éramos muito desinquietos porque, os mais velhos eramos três muito próximos, juntos com outros primos, nós “pintávamos a manta”, como se costuma dizer! E os meus avós moravam num lugar lindíssimo em Lisboa, que agora está diferente, em que era cheio de casinhas pombalinas à volta do jardim das Amoreiras, que tem ali a capelinha de Nossa Srª de Monserrate, tem a Mãe d’Água, então aquilo não parecia Lisboa. Nós brincávamos no jardim, e como é óbvio sujávamos a roupa, então os meus avós eram muito mais benevolentes do que os pais, como é óbvio, mas também havia um respeito e havia uma série de coisas que tinham de se respeitar. Portanto, eles eram um bocado o equilíbrio das coisas.
R.C.: E o que aprendeu com os seus avós, influenciou-a a ser a mulher que é hoje?
Dora: Sem dúvida! Foi com os meus avós que eu aprendi a importância da segurança, de se sentir seguro, de se sentir amado e sobretudo de se sentir aceite. Eu aprendi isso com eles e é dessa forma que eu educo os meus filhos.
R.C.: E qual é que foi o seu maior desafio como neta?
Dora: Primeiro foi a morte do meu avô, superar isso. Mas a morte da minha avó foi muito difícil, continua a ser, ainda não superei, por isso acho que neste momento esse é o meu maior desafio.
R.C.: Vive-se com ela dentro de nós, não é?
Dora: Sempre! A minha avó era uma pessoa muito especial para mim. A minha avó não sabia ler nem escrever, mas tirou uma carteira profissional, era filha de feirantes, e tinha uma noção de família e de cuidar dos filhos e dos netos, e ela achava que eu era especial porque eu era parecida ao lado da família dela, e eu sempre me senti a neta especial dela, claro que ela amava todos os netos, e então eu acho que é por isto que eu tinha uma ligação tão forte com ela.
R.C.: Como é que se chamava a avó?
Dora: Fernanda. E o avô era: Fernando!
R.C.: Que engraçado! E os avós paternos?
Dora: Gertrudes e Álvaro. Foram os tais que morreram há muito mais anos. Quando eu era pequenina.
R.C.: E os seus pais no papel de avós?
Dora: Os meus pais no papel de avós são ótimos!
Muitas vezes são o meu braço direito, sem dúvida. No que diz respeito até ao meu trabalho, e à ajuda e ao suporte que eu preciso de ter, às vezes eu tenho trabalhos fora ou assim, é fantástico.
R.C.: Os seus avós tendo morrido há tão pouco tempo, assistiram ao seu percurso profissional. Como é que eles lidavam com o seu sucesso?
Dora: O meu avô era um bocado desligado dessas coisas. A minha avó tinha um orgulho imenso, tanto que ela tinha um acervo meu que nem eu tenho, porque eu não tenho quase nada, troféus e não sei o quê não tenho nada, ela tinha um acervo de discos, acervo passo a expressão, claro, de revistas, de fotografias de capas…
R.C.: Colecionava tudo!
Dora: Colecionava tudo, que eu própria nem me lembrava que tinha feito certas coisas! Portanto, eu acho que eles tinham muito orgulho em mim!
R.C.: Participar no Festival da Canção, foi um momento muito marcante na vossa vida? Quando a sua avó entrava num café e a Dora estava na televisão, ela dizia “é a minha neta que está ali”?
Dora: Foi muito marcante, e depois também a segunda vez que eu lá fui, todas as vezes que eu aparecia na televisão, era a neta deles!
Ela dizia: “Deixe ver, espere aí que é a minha neta que está ali a cantar!” Mas não dizia para se evidenciar, dizia porque ela queria ouvir, se por algum motivo ela não estivesse em casa, ela ia pedir à senhora para aumentar o som porque ela queria ouvir, porque era a neta dela que estava a cantar! Não é a cantora, é a neta!
R.C.: E quando a Dora viveu fora de Portugal? Foi difícil para eles, como avós?
Dora: Sim, foi. Inclusive eu trago comigo dentro de um livro na minha mala uma carta que ela pediu para escreverem para mim. E também essa foi uma das razões porque eu quis voltar, porque eu vim cá muito poucas vezes, e em 1996 eu apercebi-me que o tempo estava a passar, e que eu corria o sério risco de, perder a oportunidade de viver com pessoas que realmente me amavam, e que eram importantes na minha vida. E eles foram uma dessas razões, porque eu pensei “eles estão a ficar velhinhos, e eu quero muito desfrutá-los o máximo que eu puder, o que é que eu estou aqui a fazer?”
R.C.: Foram momentos difíceis para ambos os lados… Falavam muitas vezes ao telefone?
Dora: Sim, falávamos ao telefone, escrevíamos cartas, eu vim cá a Portugal em 1994 e em 1996, só. Foi complicado ficar longe.
R.C.: Nem sempre é fácil de lidar com a distância…
Dora: Não, nem sempre é fácil de gerir! Mas pronto, depois acabei por voltar e foi como se nunca tivesse passado tempo nenhum.
R.C.: Quais os ensinamentos que os seus avós lhe passaram, a herança que os seus avós lhe deixaram… que agora passa aos seus filhos?
Dora: Amor, segurança, aceitação, a porta incondicionalmente aberta, sempre. Os valores de afecto familiar com que eu criei os meus filhos, foram exactamente os mesmos valores com que os meus avós me criaram, portanto eu tenho esta coisa maternal na minha casa e dos meus filhos. Penso que a melhor herança que os meus avós me deixaram, e que é preciosa, foi: primeiro amor, depois amor, depois amor… Disciplina sem dúvida, educação também, mas amor e segurança fundamental.
R.C.: E já é avó, não é?
Dora: Fui avó no dia 9 de Abril, no dia que estreou a peça! Fantástico! foi um dia de emoções Completamente inesquecível!
R.C.: Então o ano de 2015, foi o seu “euromilhões”!
Dora: Completamente! Foi um ano inesquecível porque é assim, voltei aos palcos para fazer uma coisa lindíssima, que eu estava incrédula até de estar a fazê-la, e nasceu o filho do meu filho mais velho, que é o Xavier e que tem 31 anos.
R.C: Como é que foi receber a notícia que ia ser avó?
Dora: Amei, adorei, fiquei emocionada, fartei-me de chorar. Acho lindo, acho que é a vida a seguir o seu curso, ainda não o vi, porque eles estão em Londres e ainda não vieram, mas eu estou a programar uma viagem a Londres porque eu não aguento mais só ver fotografias e vídeos!
Eu acho maravilhoso ser avó! Aliás, eu tenho mais dois filhos, que a seu tempo me darão netos também!
R.C.: Então o seu filho mais velho, vive em Londres. Então não viveu o tempo da gravidez muito perto deles…
Dora: Sim, o meu filho vive em Londres, foi uma gravidez vivida sempre tudo muito à distância…
R.C.: Ainda não teve oportunidade de ver o seu neto ao vivo, de o ter nos seus braços, sentir o seu calor … olhá-lo nos olhos …
Dora: Nunca o abracei! Só fotos e skype. Tem sido difícil gerir estes meses! Tem sido uma grande ansiedade! Porque eu quero muito não só ver o meu filho e a minha nora, como quero ver o Xavier! Porque ele é lindo, é o meu neto!
R.C.: Tem sido difícil ser avó à distância.
Dora: É, difícil, mas tem sido difícil para a família toda … os meus pais ainda não conheceram o bisneto…
R.C.: Os outros filhos vivem perto de si?
Dora: Os outros vivem comigo! Mãe galinha Completamente assumida!
R.C.: Então e que herança é que quer passar aos seus netos?
Dora: Eu quero que eles sejam boas pessoas, e acima de tudo que eles sejam felizes.
R.C.: Quer acrescentar mais alguma coisa sobre aos seus avós?
Dora: O que eu posso dizer em relação aos meus avós é que eu os amo profundamente, que sinto muito a falta deles, que sonho muito com a casa deles, que já não existe, o prédio está demolido e vai ser daquelas casas que tem a fachada pombalina e que vai ser reconstruída, no jardim das Amoreiras, que é agora uma área muito valorizada. Mas que eu volto lá, e eles estão sempre no meu coração, por isso eu acho que eles não morreram, porque as pessoas quando partem, se ficam no nosso coração estão sempre vivas.
R.C.: Claro que sim! E há objectos dos seus avós que guarde consigo?
Dora: Tenho. Tenho a garrafa de água, que antigamente as pessoas punham uma garrafa à noite para beberem a água, e então eu tenho a garrafa de água do casamento da minha avó, o meu avô trabalhava na forja, mas era escultor, tenho moldes e tal, tenho alguns, algumas coisas que ele forjou e pintou e não sei quê. Tenho várias coisas. Tenho sobretudo muito aqui no coração.
R.C.: Este ano vai ter um natal muito mais rico, não é? Tem o seu menino Jesus!
Dora: Tenho mesmo um menino Jesus!
Agradecimentos: Produção “A Noite das Mil Estrelas”
Fotos: https://www.facebook.com/anoitedasmilestrelas/?fref=ts