Nesta última parte da entrevista, a escritora Isabel Stilwell, fala das emoções que sentiu a primeira vez que teve as suas netas nos braços e muito mais.
R.C: É avó de seis netos embora nem todos sejam seus netos de sangue…
I.S: Três…três são e três não.
R.C: Tal como acontece atualmente em casa de muitas famílias!
I.S: Sim, exatamente.
R.C: Existe uma grande distinção entre os que são netos de sangue e os que não são?
I.S: Eu sinto os que não são de sangue de certeza absoluta como meus netos!
Sinto-os como meus netos, e muito automaticamente se estou a brincar com eles digo sempre, “Venha à avó “ …Tenho essa grande sorte, porque os dois filhos do meu marido, eles próprios filhos dizerem aos filhos deles que eu sou avó.
Isto quando entramos nos laços de afeto, não nos de sangue, temos que já ter criado laços de afeto com os pais para que eles possam aceitar que nós somos avós .
R.C: Laços esses que foram sendo construídos ao longo da vida…
I.S: Que foram construídos ao longo da vida e ao longo de muito tempo!
R.C: No entanto, a sua experiencia maior é com as suas netas.
I.S: É que de facto a minha experiência é de filhas de filhas e ai há uma facilidade quase automática porque, não só pela proximidade física que eles moram muito perto, mas também pelo facto de que não há barreiras. Eu posso zangar-me com os meus netos, eu posso vestir-lhes mais um casaco, eu posso discutir com a mãe deles, dizer “não faças isto ou faz aquilo” com uma certeza de um amor incondicional que não existe quando não é através duma filha .
Com noras, exceto as minhas noras, dou-me lindamente com elas mas obviamente elas farão alguma cerimónia.
Ainda me falta uma filha e um filho terem filhos, darem-me mais netos.
R.C: Recorde-nos o dia em que soube que ia ser avó pela primeira vez.
I.S: Foi muito emocionante. É sempre um nó na garganta, mas curiosamente não reagi como imaginava que iria reagir.
Desde que os meus filhos tinham vinte anos andava a dizer “ai quando eu tiver netos… “,”Eu quero netos!”, Eles diziam –me “Mãe veja lá o que é que deseja antes de tempo que ainda lhe aparecemos em casa com um neto aos vinte anos e a mãe se calhar retira o que disse”…
Portanto, eu estava psicologicamente preparada para ter netos, mas mesmo assim, a minha preocupação foi com a minha filha e foi pensar, como é que ela vai passar isto tudo, ainda por cima ela vai começar a enjoar, e o parto, ai se eu lhe pudesse pôr o filho no colo, mas isto é um erro que eu faço, e acho que muitos pais da minha geração fazem, que é: se pudéssemos tirar todos os obstáculos da vida dos nossos filhos tirávamos, só que não os deixávamos viver!
R.C: No seu mais recente livro “Diário de uma Avó-Galinha, fala precisamente dessa fase da sua vidaI…que se pudesse passar por cima daqueles nove meses e que ela aparecesse logo com a criança, tudo seria mais fácil para si.
I.S: Mas sabe que a minha filha disse que a minha preocupação com ela tinha sido super importante! Eu não o fiz por nenhum manual, fiz por instinto! Mas para a minha filha foi muito importante durante a gravidez haver uma pessoa que não lhe perguntava sempre pelo bebé, antes de lhe perguntar por ela porque acho que às grávidas também lhes acontece isto, não é?
De repente parece que as pessoas estão só interessadas no herdeiro, que vai nascer e se ela diz que não se sente bem ou que está enjoada, ou que se calhar não queria estar grávida naquele momento ou que não lhe apetecia, ou que sim, que ama muito aquele filho, mas não queria passar por aquela gravidez há sempre alguém que diz “ah mas não queres ter o filho?” .” Não, eu quero ter o filho mas não queria estar aqui, eu não queria estar a vomitar, não queria estar no trabalho de parto”…
Foi muito importante para a minha filha, o facto deve contar com uma mãe ter alguém que se preocupasse com ela, e não só com o bebé que estaria para vir … Fazer dela uma mãe que não se tornou invisível nem se tornou apenas um portador.
R.C: Mas entretanto teve uma grande surpresa … Soube que ia ser avó… duplamente.
I.S: Exatamente, gémeas. Ah…foi mesmo emocionante.
R.C: Já havia gémeas na família?
I.S: Não, não. Foi emocionante. Quer dizer, eu tenho um primo que teve filhas gémeas mas pode ter a ver com a mulher dele…não sei! Foi super emocionante, sobretudo a primeira ecografia em que eu as vi lá, aos saltinhos, foi muito emocionante.
Eu quando olhei para as bebés quando elas acabaram de nascer, aí é que foi… olhar de repente para aquelas duas coisinhas embrulhadinhas com os tubinhos, ainda por cima eram prematuras, desatei a chorar. Não estava à espera de chorar! Foi uma daquelas comoções! Ao mesmo tempo a minha filha coitada, tinha tido uma cesariana, estava cheia de dores e eu acho que é mais fácil para os avós encontrarem aquela paixão pelos bebés do que para uma mãe que ainda tem que a aprender. Isto pode ser muito desnorteante nos primeiros tempos. Eu não sabia isto, mas percebi isto que é, eu amo-as perdidamente e a mãe e o pai ainda vão ter que aprender a amar.
Num segundo filho, eles já fazem as coisas automaticamente, mas com o primeiro as coisas às vezes não são tão instantâneas como querem.
R.C: Se cuidar de um bebé pela primeira vez já não deve ser fácil, dois bebés então …
I.S: Sim, é muito complicado! É preciso os pais contarem com ajuda!
E aqui, quando possível, o papel das avós é fundamental! Mas é preciso haver bom senso nesta ajuda que as avós querem dar aos pais dos bebés!
Eu falo com muitas avós, e se a avó não tiver muito bom senso, a avó vai tentar atropelar a filha ou a nora …
R.C: Tem de se ter algum travão não é?
I.S: Sem dúvida! Eles depois foram lá pra casa durante um mês e eu lembro-me de estar à porta do quarto e estar muito caladinha e a pensar “Ai eu sei que as calava, eu sei que as calava, eu acho que se conseguisse lá chegar e tocar-lhes, mas eu não posso, eu não posso entrar “. Aconteceu a minha filha a meio da noite abrir a porta para vir à casa de banho e …”Mãe!”, assim tipo irritada, “o que é que a mãe está a fazer aqui?” E, eu “nada, nada, estava só a passar”. Não te ofereças, não digas, não perguntes, se ela precisar, ela pergunta. É uma aprendizagem em que a gente de repente percebe que estamos tão perto dum bebé, mas ele não é nosso!
R.C: No livro “Diário de uma Avó-Galinha” a Isabel fala de quando passado esse mês eles saem todos de sua casa para irem para casa deles.
Fica um grande vazio não é?
I.S: Sim, sim e que eu senti-me como naquela canção da Ágata “levem os anéis, levem tudo, mas não me levem as minhas meninas “
R.C: Sim, porque acaba por ser um grande vazio que ficou para si. Não só porque vê a sua cria partir como levar as crias dela.
I.S: É, exatamente. Mas que faz parte do crescimento!
Eu acho que é preciso mesmo autocontrole, porque às vezes quando eu vejo alguns blogues fico um bocadinho assustada … quando vejo noras a falarem das sogras com tanto ódio…nós sabemos que as sogras como estava a dizer…as sogras às vezes são pesadas e temos uma rivalidade por causa do marido e elas sabem…acham que sabem e nós achamos tudo isso, mas às vezes as noras deviam pensar duas vezes que o que aquela avó está…não é a dizer que ela é má mãe, que a nora é má mãe. Ela está a tentar dizer, eu quero ser relevante na vida deste bebé!
R.C: Como é que recorda o primeiro dia em que viu as gémeas ?
I.S: Eu acho que foi muito traumatizante para mim! Sobretudo a Carminho, vê-la numa incubadora, perceber que ela corria perigo foi muito difícil! Felizmente somos uma família, em que há muitos filhos e muitos netos, e felizmente tudo tem corrido bem. De repente a gente pensa, “Mas porquê?…Porquê?
Mas pronto, esses momentos mais complicados fazem parte do passado! Acho que a minha ligação com elas é mesmo muito forte desde o primeiro instante em que as vi.
Mesmo com a minha terceira neta, a Marta a ligação também é muito forte! A segunda gravidez foi completamente diferente e acho que tive que aprender e estou a aprender a minha relação com a Martinha, que é queridíssima é uma outra aprendizagem diferente.
R.C: A Marta foi a última que nasceu?
I.S: Sim, mas que é uma coisa diferente, a Marta é agarradíssima, mamou, aos sete meses, é muito próxima da mãe. A Ana andou com ela pra todo o lado porque depois de terem sido precisas duas mãos, dois ovos, dois não sei quê, agora pode andar com a Marta para todo o lado.
R.C: A sua neta Marta é irmã das gémeas?
I.S: Sim, é! Tanto a minha outra filha, como o meu filho ainda não me deram netos.
R.C: Como é que é a ligação das gémeas com a irmã?
I.S: É o delírio total …é o delírio total.
A Marta tem sete meses e ouve a voz delas a entrarem na porta e começa às gargalhadas, mas são gargalhadas mesmo!
É uma ligação fantástica… Obviamente que foi pesado, a Ana teve plena consciência de que elas começaram a fazer muito mais birras.
A Carminho tem uma história linda, que eu adoro e é; “Um dia chegou-se ao pé da Ana, logo pouco depois da bebé nascer com uma boneca posta numa mochila e a Ana…(a Ana é fantástica, acho que é muito melhor mãe do que eu fui e é educadora de infância e mistura tudo)… e a Ana perguntou-lhe…. “Minha senhora o seu bebé mama?” E ela disse “Sim, sim”. Conversaram como se fossem duas senhoras que se tivessem encontrado com os respetivos bebés e depois ela diz assim “ E a senhora tem filhas?” e a Ana disse “Tenho, tenho duas “,”Ai eu também tenho duas e estão muito chateadas porque eu agora não posso brincar tanto tempo com elas e a Ana aproveitou e disse “Então já conseguiu resolver isso?” Sim, sim sento-me no chão e com uma mão brinco e com a outra mão dou de mamar a esta e a Ana disse “Ah então vou fazer o mesmo com as minhas filhas. Que boa ideia, muito bem”. E depois a Ana não resistiu e disse :”Então e as suas filhas estão a fazer muitas birras agora?” E ela esqueceu-se do teatro, bateu o pé e disse: “Não, não estão nada! Elas não fazem birras!”
R.C: É fantástico como se constroem essas histórias tão bem elaboradas com apenas anos …
I.S: Eu acho que é preciso espaço e tempo. Por isso é que eu acho que é verdade que o tempo, (não interessa a quantidade do tempo) mas é preciso algum tempo para os filhos estarem com os pais. Não é verdade que a quantidade não importa, a quantidade importa no sentido que não é possível qualidade quando se está ao mesmo tempo a cozinhar, a fazer os trabalhos de casa. É preciso algum tempo.
Os pais que trabalham devem-se sentir muito culpados porque não estão com os filhos, não é isso! Pode haver mães todo o dia em casa deprimidas, ocupadas … e que não tenham nenhuma relação com os filhos e deprimidas ou não mas, muitos simplesmente não conseguem tempo de qualidade para estarem com os filhos.
R.C: Este Natal, entre as suas netas e os netos do seu marido, foram seis crianças à mesa! Isso faz-lhe recordar um pouco os seus tempos de criança em que também eram várias crianças?
I.S: Sim, sim! Eu acho que o Natal é daquelas épocas que sem crianças não dá vontade nenhuma de fazer nada porque é aquilo dos avós verem pelos olhos …viverem…serem crianças pelos olhos dos netos. Por exemplo, os meus filhos sempre me ajudaram, sempre fiz imensa questão em fazer presépios muito complicados e buscarmos musgo e fazermos montanhas e coisas assim. Depois passámos um tempo em que o meu filho que tinha na altura já uns vinte e oito anos dizia “Está bem mãe, eu sei que a mãe quer ir apanhar musgo. Vá, vamos lá. Eu senti que estava a empurrar uma carruagem que não tinha vontade nenhuma. O ano passado foi outra vez uma excitação porque eu decidi que o presépio tinha de ter peixes e passarinhos e então fomos à feira de Sintra com elas e comprámos peixinhos e compramos não sei quê e é tudo em função …A vida, eu acho que é em função de trazer alegria!
R.C: E o papel do avô?
I.S: Não queremos contar a história deles pela nossa voz! Mas, uma das coisas que torna isto muito importante é que se não houvesse um avô empenhado nas mesmas coisas e empenhado em viver, no fundo ser avô como eu sou avó, muito era impossível!…Era impossível ter ficado com as gémeas sozinha. Se não fosse ele a levantar-se e ir busca-las à noite, e pôr as cadeiras no carro e fazer essas coisas todas. Se ele não tivesse imenso entusiasmo em todas as vezes que vamos a Coimbra, vamos de manhã e vimos à noite só para estar um bocadinho com os outros. Isto não há dúvida que passa por um trabalho de equipa e às vezes em “re-casamentos” podia não ser tão possível! Mas isso é uma coisa que eu queria dizer, é que os netos são, (quando não houve filhos dos dois); os netos são uma possibilidade de um projeto comum, é uma criança que é um projeto comum dos dois. Os laços de sangue praticamente não fazem sentido nenhum porque eles não são nossos filhos, assim como assim nenhum deles são nossos filhos. São filhos de pessoas de quem nós amamos muito e depois é a oportunidade de mesmo como avós termos um projeto nosso, por isso, temos imenso gozo em levá-los connosco e fazer as coisas connosco, e às vezes nestas histórias nós pomos muito enfoque na avó mas eu acho que os avôs são super fundamentais!
R.C: E há ai um pirata no meio das princesas não é?
I.S:Há um…um Henrique (risos)
R.C: E como é que foi entrar no mundo dos piratas?
I.S: O Henrique faz dois em Dezembro, ainda por cima é o pirata que tem o nome do avô. O patrão herda o nome do avô, diga-se o que disser estas coisas do nome também têm o seu peso e o miúdo é engraçadíssimo…engraçadíssimo!