“A MAIOR HERANÇA QUE RECEBI FOI A CAPACIDADE DE LUTAR, DE ME SUPERAR E DE AMAR INCONDICIONALMENTE”

Na 2º parte da entrevista, Gustavo Santos fala da mágoa com que viveu durante muitos anos por não ter dados ouvidos à avó Celeste e fala também da importância da avó Antónia na sua vida.

Sabemos que os teus avôs partiram quando eras pequeno. O relacionamento que tiveste com eles foi quase inexistente. O que sabes dos teus avôs? Que histórias te foram contadas sobre eles? Se tivessem vivido mais tempo, que avôs achas que teriam sido? E tu que neto terias sido para estes avôs?

Gustavo Santos: Tudo o que sei dos meus avós pode ser lido no meu novo livro, “O CAMINHO”. E sim, tenho pena de não ter contactado mais tempo com eles. Teria muito a aprender e, em exceção a esta minha última avó a quem dedico esse livro, muito mais para lhes dar. Fui, durante grande parte da minha vida, alienado do conceito de família, como tal, não os soube aproveitar na medida que podia. Dei o meu melhor. Já não me culpo e espero, numa próxima vida, crescer mais depressa ou ter mais oportunidades para me sentar aos seus colos e ouvir as suas histórias. No fim, e é isso que conta, fui o melhor neto que podia ser. Sinto um orgulho enorme na forma como cuidei, até ao último suspiro, da minha querida avó Antónia.

Quem foram, onde viveram? Que herança genética recebeste desses avôs que praticamente não conheceste?

Gustavo Santos: Foram o melhor que souberam, viveram entre as Caldas da Rainha/Santarém (avós paternos) e Montijo/Lisboa (avós maternos). Recebemos todos uns dos outros. Acredito, pelo que me contam e pelo que testemunhei, que a maior herança que recebi foi a capacidade de lutar, de me superar e de amar incondicionalmente.

Sabemos que não não partilhaste com a tua avó Celeste o amor e os afetos que querias ter partilhado. Apesar de viveres o “Agora” e lidares bem com o teu passado, houve uma altura da tua vida em que essa carência te marcou de alguma forma. Fala-nos a tua avó Celeste.

Gustavo Santos: A minha avó Celeste, mãe do meu pai, era um portento de metro e meio que fazia um puré de batata de bradar aos céus. Uma senhora adorável que fazia tudo para os outros. Julgo que passou a vida inteira a esquecer-se de si mesma. Vivia em Santarém, o meu local favorito para passar férias em miúdo. Era maluco e ela, coitadinha, tinha de levar comigo. Ela dava-me a liberdade que nunca sentira. E depois abusava. Recordo-a com muita estima. Na verdade, nunca fui para ela o neto que vim a ser. Não fui a tempo e isso, anos mais tarde, virou-se contra mim. Foi preciso um longo e profundo trabalho interior para me perdoar. Aliás, o perdão só veio a acontecer quando lhe dediquei o meu terceiro livro, “A DANÇA DA VIDA”.

Conta-nos o que ficou por fazer e que gostarias ter ter feito e dito à tua avó Celeste. Que herança recebeste da avó Celeste?

Gustavo Santos: Ficou por lhe retribuir todo o amor mas, acima de tudo, por lhe ter dado a oportunidade de me contar um segredo que família que me queria contar. Avisou-me para ir a Santarém o mais depressa possível, pois sabia que poderia morrer mais dia menos dia, mas, e por não lhe ver qualquer maleita, ignorei o pedido e fui adiando a minha viagem. Um dia, e de repente, morreu. Foi duro. Não me culpei por não chegar a saber o que me queria contar, culpei-me por não ter sabido ser homem suficiente para lhe dar a oportunidade de partir em paz contando-me o que tanto queria. Dela, herdei a vontade de ajudar os outros.

Avó Maria Antónia livro O Caminho

Depois de 6 livros editados, (muitos deles com grande sucesso), tinhas decidido fazer uma pausa na publicação dos livros. No entanto, os últimos messes de vida da tua avó Maria Antónia, acabaram por servir de incentivo para escreveres o teu sétimo livro “O Caminho”.  Que caminho foi este que sentiste necessidade de percorrer?

Gustavo Santos – Todos nós, ao longo da nossa vida, vamos ter de lidar com a perda de alguém que amamos superiormente. No meu caso, foi a minha avó Antónia. E nesse processo, quer queiramos ou não, teremos de lidar com questões como a injustiça, o apego/desapego, o perdão, a aceitação, as dores dos outros, o fim, o amor e muitas outras. Ao seu lado, enquanto morria mais a cada dia, fui-me apercebendo que tinha de dar o meu melhor até ao fim, custasse o que custasse, e cedo percebi que o meu melhor era amá-la incondicionalmente e ser capaz de partilhar a nossa história, por forma a facilitar o caminho de quem está a passar pelo mesmo, já passou ou sabe que vai passar. Este livro foi uma enorme viagem interior e que serviu para me tornar ainda mais forte e consciente acerca da realidade que vemos e de tudo o que existe para lá dela.

A tua avó Maria Antónia teve o privilégio de viver 94 anos. Fala-nos da avó Maria Antónia e de como foram vividos estes 94 anos.

Gustavo Santos: Era uma mulher sublime. A minha grande referência no universo feminino. Uma lutadora, incansável na busca de si mesma e do amor. Encontrou-se e encontrou-o. Acredito que tenha partido com a convicção de missão cumprida.

Porquê a ligação à avó Maria Antónia em particular? Tem a ver com teres vivido com esta avó em alguma fases da tua vida, ou tem a ver com outras razões?

Gustavo Santos: Sim, há uma parte que está relacionada com isso mesmo. Vivemos juntos em duas fases distintas da minha vida. Mas, sobretudo, acredito que foi um reencontro de almas. O nosso amor sempre fora verdadeiro, demasiado incondicional para ter sido vivido apenas aqui.

Que recordações tens dos tempos que viveste em casa da tua avó? Do que sentes mais saudades?

Gustavo Santos: Na primeira fase tinha apenas meses de idade, logo, não me recordo. Na segunda, lembro-me de ter, finalmente, um quarto só para mim, de vê-la sentada na sua poltrona, de fazer bolinhos e de me tratar sempre com um enorme carinho. Adorava que arrancasse com o carro a patinar as rodas de trás, chamava-me “Fangio”, abria-me os olhos quando dizia uma asneira e levantava-me a mão quando lhe apalpava o rabo. Nunca me tocou a não ser para me abraçar. Estávamos constantemente a dizer que gostávamos um do outro, embora ela tivesse sempre a palavra final, quando dizia “eu gosto mais”.

A avó Maria Antónia foi a matriarca da família. Fala-nos da mulher Maria Antónia, da Mãe, da Avó … ou seja fala-nos das várias mulheres que foram a avó Maria Antónia.

Gustavo Santos: Levei 250 páginas para conseguir isso e para expressar a forma como esses vários “eu” me inspiraram de uma forma brilhante. Resumindo, ela foi, de facto, mulher, mãe e avó, mas o que ela foi mesmo, e para isso precisou de muitas décadas de aprendizagem, foi o amor.

A avó Maria Antónia “Tinha feitio de mandona, expressão firme e presenteava-te sempre com mimo” Fala-nos desse paradoxo.

Gustavo Santos: Era autoritária. Aprendeu a sê-lo através da dor. Tinha uma expressão intimidante quando não gostava da forma como as coisas iam ou eram ditas, mas no fundo era um doce. Digamos que a sua essência de amor, teve, não poucas vezes, de se fazer forte para fazer face a tanta guerra.

A tua mãe e a tua avó viveram uns tempos menos próximas pois “não se sentiam por completo” Fala-nos do reaproximar das duas, do amor que havia entre elas e do quão difícil foi para a tua mãe assistir aos últimos tempos da mãe dela.

Gustavo Santos: A relação entre pais e filhos é sempre um enorme desafio e o perdão é uma peça chave de todas as reconciliações. Foi muito bonito testemunhar a reconquista daquele amor. Falavam todos os dias ao telefone quando a minha avó vivia sozinha, riam e partilhavam os maiores segredos. Acredito que, por vezes, são precisos anos para pais e filhos se entenderem de vez. Naturalmente, e após tamanha reconquista, foi muito difícil para a minha mãe ver o definhar da sua. Tive muitas conversas com ela e a partir de determinado momento a aceitação deu-se. Ambos desejávamos que ela nos morresse nas mãos, queríamos estar ao seu lado nesse momento, e assim aconteceu.

Dizes que a tua avó Maria Antónia o “ ser mais inteligente e resplandecente com quem mais aprendeste.” Fala-nos desses ensinamentos e dessa aprendizagem

Gustavo Santos: Os ensinamentos estão patentes nas 16 lições que partilho no livro, mas gostava de destacar a sua tremenda habilidade de perdoar e rir, independentemente do tumulto em que estivesse a sua vida ou daquilo que diziam a seu respeito. E sim, era muito inteligente. Tinha uma enorme capacidade de saber estar, lia muito, sabia muitas coisas, era interessada e tinha sempre uma opinião. Resplandecente, porque a sua alma e o seu sorriso iluminavam qualquer sala. A minha avó era luz.

Sempre trataste a tua avó por Você, não por uma questão de respeito (ou por ela assim o exigir), mas pela “sua presença ser sempre sinónimo de referência para ti”. Fala-nos disto.

Gustavo Santos: Quando a admiração é muita, a reverência é maior. Sempre senti que tinha diante de mim um ser superior, como tal, o “você” era o assumir que estávamos em níveis diferentes de consciência. Todos os dias dou o meu melhor para atingir aquele patamar e, se possível, escalar ainda mais alto. E não é para me tratarem por você, é porque esta experiência de estarmos vivos só faz sentido se houver uma constante, e gradual, evolução na nossa consciência.

Não percam amanhã, o final da entrevista que os Retratos Contados fizeram ao Gustavo Santos!