Uma avó que me ensinou a amar
A avó Graziela perdeu grande parte da sua visão mais de vinte anos antes de partir. Por uma questão de segurança, nos seus últimos anos deixou de cozinhar. Três anos antes de nos deixar, teria cerca de 88 anos, convidou-me para almoçar um cozido à portuguesa (que sabia que eu adorava). A ideia era dar indicações à pessoa que cuidava dela, durante as férias do meu pai e da minha mãe, para que preparasse o almoço. A senhora chegou às 12h. O almoço estava pronto. Eu cheguei às 13h e a avó Graziela pediu-me: “Não te zangues comigo. Fiz isto porque sei que nunca mais irei cozinhar na minha vida. E a última vez, tinha mesmo que ser para ti”.
Este é apenas um exemplo dos muitos atos de amor que recebi da minha avó, ao longo de 34 anos, em que partilhámos a vida e tantas histórias. O meu avô partiu quando eu tinha 9 anos e eu praticamente mudei-me para sua casa, para que ela não se sentisse sozinha. Foi com ela que aprendi que o amor está no bife em frigideira de barro, no cozido à portuguesa, na partilha de tardes inteiras a ver patinagem artística que ela tanto adorava. Estava nas horas de conversa em que perdíamos a hora. Estava em todas as chamadas telefónicas e via skype que fazíamos para encurtar a distância, das várias vezes que decidi viver longe. Estava também na paciência com que, entusiasticamente, me ajudava a plantar as dezenas de caroços de pêssego porque eu queria que nascesse um pessegueiro (e nasceu). O amor estava – e está – sempre mais nestas simples coisas, do que em qualquer palavra que fosse proferida.
Foi com a avó que aprendi a passar a ferro, a coser botões, a fazer malha. Porque nunca passou pela cabeça da avó Graziela julgar-me, ou dizer-me, que aquilo não era trabalho de homem. Até porque ela não pensava assim e não acreditava nisso. Pelo contrário, a avó era muito à frente. Tinha um marido 11 anos mais velho de quem foi segunda mulher e criou como seu – porque era – um dos netos biológicos do meu avô.
Muito mais inteligente, informada e culta do que seria de esperar, para uma mulher que chegou, modestamente, à 3ª classe. Cedo se fez mulher, cedo lhe doeram as feridas da sua vida e da vida daqueles a quem amava e até as feridas do mundo a que assistia, de longe, impotente.
Foi com ela que percorri a Expo ’98 de ponta a ponta. Eu com 17. Ela com 75. E tantas, mas tantas outras aventuras.
Falar da avó é falar de amor. É falar de amar. Um dia perguntou-me o que queria nos anos. No dia em que o perguntou eu estava irritado (coisas de adolescentes) e disse-lhe que não queria nada. No dia dos meus anos acordei com um postal escrito por ela: “Disseste que não querias nada, e eu nada te vou dar. Apenas um grande amor, que só Deus pode acabar”. Discordo. Nem Deus pode acabar com um amor assim. A última vez que lhe toquei e que a deixei na sua última morada foi, precisa e ironicamente, no dia dos avós: 26/07/2015. Tinham 91 anos.
O meu filho nunca a conheceu pessoalmente. Mas fala dela como se tivesse sido presença constante na sua vida. Como foi na minha. E não há palavras que descrevam a felicidade que isso me dá. Felicidade só comparável com a que sinto quando vejo o meu filho e a minha mãe a construírem, diariamente e de forma recíproca, uma relação idêntica à que tinha com o primeiro grande amor da minha vida.
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“Era uma vez…” Assim começam todas as histórias de encantar. E esta não é diferente. É uma história de amor.
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