“RITUAL DOS PRESÉPIOS”
Crónica publicada no Jornal de Mafra
O RITUAL DOS PRESÉPIOS
No último dia de Novembro há sempre um ritual a cumprir: espalhar os meus cerca de 60 presépios pela casa toda, para que, logo às primeiras horas da manhã, Dezembro já encontre a casa pronta para o acolher. E este ano não fugiu à regra: apesar de todas as maleitas que resolveram atacar-me os ossos, lá andei escadote acima, escadote abaixo.
Assim à primeira vista até parece coisa fácil.
Mas não é.
Porque, para que cada presépio seja colocado na mesa (prateleira, cómoda, etc) – é preciso que essa mesa (prateleira, cómoda, etc) esteja vazia.
Por isso, antes de mais, sobe-se no escadote para retirar cá para baixo todas as caixas em que os presépios hibernaram durante o ano, despejam-se todas, e dentro delas vão-se metendo as jarras e jarrinhas, as fotografias, as imagens, a caixa das canetas, a salva com a colecção de colheres, e a outra cheia de pedras e folhas secas, e mais toda a “tralha” ( horrível palavra usada pela minha filha, que não percebe nada destas coisas… ) que, a partir de agora, vai passar férias em caixas que, por fora, dizem: “presépio de Timor”, “presépio de S. Salvador”, “presépio do Quénia”, “presépio de todos”, e por aí fora.
Quando tudo isso já está lá no cimo dos armários, então é tempo de arregaçar as mangas e começar a desembrulhar cada figura, e a colocar cada uma no lugar que é sempre o seu, no conjunto de que faz parte.
(Infelizmente, quase todos os anos há surpresas: um ou outro anjo de asa partida, as auréolas de Nossa Senhora um bocado tortas, S. José com menos um dedo, o que torna complicadíssimo enfiar-lhe na mão a varinha em que se apoia. Coisas da idade, como eu o compreendo…)
Depois, no fim de tudo, vem o meu neto Pedro passar revista, a ver se está tudo nos conformes. Vai contando, a ver se não falta nenhum, e repara logo se há novos, quer saber donde vieram, se os comprei ou se me ofereceram, e quem.
Para, invariavelmente, abanar a cabeça e exclamar:
–Há poucos camelos.
(Confesso que tenho sempre a tentação de responder” ó querido, camelos é o que há mais…”, mas travo a tempo, não devemos esquecer que estamos em época de paz e amor)
Por mais que eu lhe diga que os camelos estão no presépio por causa dos Reis Magos, e Reis Magos só há três – ele não quer saber.
E eu olho para ele, de repente já tão adulto, e recordo sempre aquele Natal em que depois dos presépios armados (eram bem menos então), eu fui buscar álbuns de fotografias antigas para lhe mostrar. Fotografias de quando o pai era pequeno – coisa que o fascina por aí além, ainda hoje. Ele era muito pequenino, e de repente ao dar com uma fotografia do pai, no meio de um deserto, em cima de um camelo, vestido de árabe da cabeça aos pés (numa viagem de fim de curso à Tunísia…), abre desmesuradamente os olhos e pergunta baixinho:
— O pai também foi a Belém ver o Menino?!
Deve ser dessa altura que lhe ficou a obsessão pelos camelos
Devo dizer que o “presépio de todos” é um prodígio de criatividade. Como o nome indica, todos eles contribuem, todos os anos, para que haja sempre qualquer novidade.
E acho que essa criatividade deve estar mesmo nos genes, pois já o pai e a tia, quando tinham a idade deles, se encarregavam de chamar até junto do Menino Jesus, personagens que, enfim, o rigor histórico não aconselharia : crianças a crescerem no meio da Revolução de 74, toda a família achou normal que, logo atrás dos Reis Magos, seguisse uma legião imensa de estrunfes, todos com cartazes minúsculos (pequenas tiras de cartolina enfiadas em palitos, que nasciam da perícia das mãos da minha filha) com reivindicações várias, a saber “metro para Belém, JÁ!”, “nem mais um Romano no presépio!”, “Herodes que pague a crise!” –e outras que a minha memória já não recorda.
Agora os tempos são outros, e outras as preocupações. No ano passado o presépio viu-se aumentado com uma frota de helicópteros de plástico do INEM, pousados sobre o telhado da gruta – “porque em Dezembro está um frio de rachar e o Menino arrisca-se a apanhar uma pneumonia “(preocupação do Diogo, que quer ser cirurgião cardio-toráxico…).
Também desde o ano passado o “presépio de todos” tem mais uma personagem: nas palhinhas, mesmo ao lado do Menino Jesus, um Pai Natal dorme o sono dos justos e estafados. A Isabel, agora a única que ainda acredita nele e espera que ele chegue à meia noite, achou que ele também merecia repousar entre, digamos, os seus pares…
E todos coabitam na perfeição.
E nem refilaram quando este ano – entre os novos presépios adquiridos – numa das mesas da sala, S. José e Nossa Senhora embalam o Menino no meio da Arca de Noé…
Bom Natal a todos!
A publicação destas cónicas é uma parceria entre os Retratos Contados e o Jornal de Mafra.
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