Retratos Contados Samuel Alves

Retratos Contados do ator

Samuel Alves

 

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Samuel Alves (S.A): Eu sou também o quarto filho de 4, tenho mais 3 irmãos todos rapazes. Nasci em 82 e nasci numa aldeia que pertence ao concelho de Torres Vedras e tive uma infância diferente das que se costuma ter nas aldeias. Foi aparecendo música na aldeia, os meus irmãos foram percursores e então eu por arrasto ia “levando” com as artes deles. Por isso, tanto os meus pais como os meus irmãos, tiveram um peso importante no percurso que eu fui fazendo. Depois fui deixando a música e fui-me interessando pelo teatro, e foi aí que eles continuaram na música e eu comecei a fazer teatro lá. Depois fui fazendo uns cursos. Depois comecei a vir para Lisboa porque sabia que tinha cursos universitários cá, que já trabalhavam mais à séria, então começava a vir para Lisboa, aos fins-de-semana para ensaiar cá, até que depois, vim para Lisboa, já mais velho e comecei a trabalhar em teatro profissionalmente e cá me mantenho.

 

“Fui criado por uma tia e por um tio que fizeram o lugar de avós, era com eles que nós morávamos porque foram eles que criaram a minha mãe”

 

S.A: Fui criado por uma tia e por um tio que fizeram o lugar de avós, era com eles que nós morávamos porque foram eles que criaram a minha mãe desde os 10 anos, salvo erro. A minha mãe veio de Lisboa, os pais dela, o meu avô tinha problemas com o álcool e a minha avó sofria com isso, então ela foi viver para a minha aldeia, para o Sobreiro onde nós depois acabámos por nascer. Do lado do meu pai tinha, é uma família relativamente pobre. Do lado do meu pai havia uma espécie de ambição, porque o meu avô era construtor, mas há uma imagem que nos é passada que ele era construtor, que ele ia para a rua ler o jornal, só que lia o jornal ao contrário porque ele não sabia ler, mas andava sempre com canetas no bolso e lia o jornal ao contrário porque ele não sabia ler, ou seja havia uma ambição de grandeza e então foi um casamento difícil. Do lado do meu pai não queriam que o meu pai se casasse com a minha mãe porque eles eram muito pobres, o que acabou por acontecer e pronto e foram morar com os meus tios, que tinham criado a minha mãe e são esses tios que são estruturais para nós e é engraçado como as personalidades deles influenciam também o crescimento da família, era o Zé Migalhas e a Tia Amália, que eram os meus tios. Zé Migalhas era um bon vivant, programava os bailes na aldeia, construía a sede recreativa para toda a gente. Era muito associativo, gostava muito de ter a casa cheia de gente, tinha muitos amigos, era uma pessoa muito divertida. Gostava de viver a vida e vivia-a dia a dia com prazer. A minha tia era o oposto, retraída, a noção que ela nos passava durante o nosso crescimento era “Não faças isso, que não tens jeito para isso”, ”Mais vale desistires já porque não vais lá chegar”.

 

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R.C: Portanto sempre com atitude sempre negativa?

S.A: Muito! Eles eram o oposto, no entanto como os meus pais trabalhavam eram eles que tinham um papel importante e estrutural quer meu, quer dos meus irmãos e hoje eu olho para mim e tenho essa estrutura em mim. De um lado sonhador e de gostar de ter sentido de humor e gostar de comédia e de gostar de ter momentos animados com os outros e por outro lado ter este elemento restritivo de “Mas se calhar é melhor não”, ”Se calhar eu não nasci para isto”, ”É melhor desistir já e não invisto em coisas que vou perder mais tarde “ e isso mantem-se até hoje.

 

R.C: E dos avós paternos, que recordações tens?

S.A: No Verão passava mais tempo com estes avós. Como eles viviam no Casal, lembro-me da mercearia que era uma carrinha que ia lá com coisas dentro para vender e eu ia lá comer à porta e de ir lá aos Domingos porque tínhamos espaço para correr e nós éramos 4 então tínhamos onde correr um bocado sem chatear muito e então o Casal era um bom sítio para fazer isso. Nós também vínhamos cá a Lisboa volta e meia, mas eu achava a viagem sempre muito comprida, a viagem tinha sempre cheiro a frango assado, porque nós trazíamos frango assado na carrinha. Tínhamos de ter uma carrinha, porque nós éramos quatro. Os meus avós moravam na Graça e tenho a imagem do meu avô à janela na Graça a fumar cigarros o tempo todo. Na família ninguém fumava, ele era o único e fumava por nós todos. A imagem que eu tenho de avós, de amparo e de criação são esses meus tios até à hora da morte

 

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R.C: Como é relacionamento dos avós com o teu filho?

S.A: Quando estás a crescer tens uma expectativa da vida, pouco real, mais romântica. Eu achava que quando chegasse aos meus pais e dissesse: “Vou ser pai.” Pensava que ia ser um choro e na verdade aquilo é muito prático “Ah vais? Então o que é que é preciso?” Afinal isto não é nada romântico! O meu filho tem 2 anos agora e eu sou a pessoa que está mais tempo com ele e sinto que eu tenho de gerir essa relação de aproximação aos avós., Tento que que ele vá a uns e vá a outros de forma igual. Tenho essa preocupação, em chegar ao meu lado quer ao lado da mãe e entretanto a coisa vai acontecendo, mas eles também criam relações muito específicas. Ele embirra com uns, por exemplo e é mais afável ou mais directo com outros, não quer dizer que ele não tenha igual amor por ambos, mas a natureza das relações é diferente.

 

R.C: Tem a ver com as afinidades?

S.A: Sim ou porque um tem um perfil de ser mais desafiador  ou espicaçador e outro não ,e logo abraça ,mas eu ainda estou de fora tipo a comandar as tropas ,a tentar fazer com que aquilo bata tudo certo e seja uma harmonia no final.

 

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R.C :E o que é que mudou na vida dos avós depois do nascimento dos netos?

S.A: No meu caso nós somos 4 irmãos e todos atrasámos muito a vinda de filhos. Por isso, estiveram muito tempo sem netos. Entretanto, agora começaram todos em catadupa a ter filhos, uns atrás dos outros, por isso aquilo ainda está a ser digerido porque são todos agora muito pequenos e ainda está a ser digerida essa aproximação. Aliás, eu ainda estranho ver os meus pais a chamar-lhes de avós por isso ainda não sei bem o que é que é isto .Estou a habituar-me sim, mas acho que eles como avós,embora a nossa educação tivesse sido rigorosa, um quanto austera, eles como avós acho que estão já a atravessar caminho no sentido de que são avós ou seja fazem aquilo que a gente não queremos que façam, têm “abébias” e fazem com os netos aquilo que nunca fizeram connosco.

 

R.C: São mais permissivos?

S.A: São muito mais permissivos, são mais afetuosos, pelo menos assim aparentemente e pronto e acho que isso também é ser avô, não é?

 

R.C: É muito frequente ouvirmos na televisão notícias sobre a violência sobre os idosos, os idosos que são abandonados… Quando vocês ouves notícias deste género o que é que sentes?

 

S.A: No meu caso, eu acho que nós na minha aldeia crescemos muito rodeados de idosos e é uma coisa que me faz confusão na cidade é isso. Acho que ser idoso na cidade deve ser brutalmente mais difícil do que ser idoso na aldeia não sei se isto é?

Eu no Sobreiro Curvo vejo, que os velhotes não ficam em casa. Vão para a rua, têm os sítios onde se sentam, têm os jardins onde partilham conversas e não há pressa e há espaço para andar. Se estão de muletas, vão de muletas, se não podem andar há 2 ou 3 vizinhos que os ajudam.

Aqui na cidade não sei …Na Baixa eu olho para os últimos andares dos prédios mais velhos e imagino que um idoso a morar ali dentro deve ser muito complicado gerir o seu dia-a-dia. Não sei, acho que o amparo e o apoio numa aldeia é muito mais directo

 

 

 

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Agradecimentos: Yellow Star Company