Retratos Contados Mara Prates

Retratos Contados da atriz

Mara Prates

 

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“Eu era daquelas que falava com as bonecas, horas no sótão”.

 

Mara Prates (M.P): Nasci em 1993, sou novinha ainda. Nasci no Alentejo e estive lá até aos 8 anos, mais ou menos. A minha família era de Lisboa, mas tinha ido para lá trabalhar, depois comecei a fazer teatro, a fazer televisão e vim para Lisboa.

 

R.C: Nasceste onde?

M.P: Em Vila Nova de Santo André, ao pé de Sines. Ainda continua a ser o refugiozinho das fugidas de Lisboa, o que é ótimo. Depois vim viver para Lisboa, fiquei por cá, sou filha única, não tenho histórias maravilhosas para contar. Eu era daquelas que falava com as bonecas, horas no sótão e era só isso.

 

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R.C: Fala-nos do relacionamento com os teus avós.

M.P: Eu sou duma família, tudo gerações muito novas, portanto eu tenho os meus 4 avós vivos, bisavós, inclusive. Os avós da parte da mãe vivem connosco, viveram sempre connosco, na nossa casa e portanto são tão pais como os meus pais que me acompanharam desde sempre, sempre vivi com eles. Os avós da parte do pai estão um bocadinho mais separados, viviam mais longe, mas quer dizer são pessoas com quem convivo muito, tenho uma relação muito próxima e depois tenho a minha bisavó que é uma velhinha muito querida e que eu gosto muito. Vive um bocadinho longe, infelizmente, mas de quem eu gosto muito e havia o meu bisavô que entretanto faleceu, mas que também cheguei a conhecer.

 

“Tenho a minha bisavó que é uma velhinha muito querida e que eu gosto muito!”

 

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R.C: Como é que a bisavó se chama?

M.P: Bernardete.

 

R.C: Que histórias é que ela te tem contado ao longo da vida?

M.P: Nós temos uma piada na família que tem a ver com as histórias que ela nos contava a todos, e contou a todos os netos e bisnetos. É muito, muito querida mas tinha umas histórias assim um bocadinho esquisitas e nós brincamos todos com isto porque as histórias dela a dar-nos de comer; Eles viviam em terras muito pequeninas, na Golegã, terras muito pequeninas, linhas de comboio e então era as histórias que achamos que os pais dela contavam para eles terem cuidado com as linhas do comboio. As histórias da minha avó começavam “Era uma vez uma menina que um dia atravessou a linha do comboio e ficou sem uma perninha”

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M.P: Mas desde pequenina, ainda hoje brincamos com isso “a menina que ficou sem uma perninha”, ”o menino que escorregou, caiu na linha e ficou sem um bracinho”. Tudo ,tudo com o comboio.

 

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R.C: Só com desgraças?

M.P: Só com desgraças. Acreditamos que era uma questão de os protegerem, de eles criarem algum medo, depois ela passou isso para todas as gerações da família, que era as histórias que ela nos contava enquanto nos dava o almoço, mas ainda hoje falamos imenso sobre isso porque tem a sua graça e pronto, lembro-me perfeitamente disso; De brincar com ela aos tachinhos e à comidinha. Ela sempre com muita paciência, sempre, ainda hoje, muita paciência para brincar. Ela não sabia ler e eu lembro-me de ser pequenina e começar a aprender a ler e dizer “Eu vou-te ensinar, eu vou aprendendo e vou-te ensinar”, e ela agora já escreve, consegue escrever o nome dela, mas foi assim na brincadeira “eu vou aprendendo e vou-te ensinando, também ”.Os outros avós são gente mais jovem, São muito novos, têm 60 anos, 60 e poucos anos.

 

R.C: Profissionalmente o que é que fizeram?

M.P: Os meus avós todos trabalhavam, à exceção da minha avó materna, o meu avô trabalhava, e ela tomava conta das crianças todas, foi doméstica a vida inteira e depois tomou conta de mim e pronto. De resto os meus avós todos trabalhavam, os meus bisavôs também, no campo, noutra fase.

 

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R.C: Tens histórias que eles te contassem quando eras mais pequena? Ou ainda agora, se ainda te contam histórias da infância deles?

M.P: Sim, contam bastante, a minha avó gosta muito muito de falar sobre a vida dela e como é que eram e o que é que elas usaram, o que elas vestiam, porque ela é muito vaidosa e então está sempre a falar nisso, nas histórias de ser miúda. Ela trabalhou quando era novinha, até conhecer o meu avô e casar. Ela conta as histórias de que iam e levavam os sapatos prediletos, levavam outros num saquinho que era para depois trocar ao chegar ao trabalho e porem os sapatos de salto alto e ficarem todas arranjadinhas; Contou-me assim muitas histórias, idas ao baile, que atravessavam Lisboa inteira a pé para ir aos bailes, de ter de fugir de casa da mãe, antigamente era diferente. Ela depois quando começou a namorar com o meu avô tinha um carro e então empurrava o carro para sair da quinta, eles viviam numa quinta aqui em Lisboa, empurravam o carro até à rua para a mãe não acordar com o barulho do carro que era para poderem sair e ir ao baile. Muitas histórias!

 

R.C: É muito frequente ouvirmos na televisão noticias sobre a violência sobre os idosos, os idosos que são abandonados… Quando ouves noticias deste género o que é que sentes?

M.P: Eu acho que acima de tudo é preciso ter a consciência que a vida é um ciclo. Isto é um ciclo e nós precisámos durante muitos anos de alguém que cuidasse de nós e se não fosse a pessoa que agora tem 80 anos e não se consegue mexer nós teríamos ficado a chorar sem comer e a nossa vida teria sido isso, horas ou dias e é preciso ter essa noção. Nós precisámos de alguém que cuidasse de nós para estarmos aqui, agora e eles cuidaram de nós e portanto é a nossa altura de cuidar deles e de lhes darmos aquilo que eles nos deram a nós . Se cada vez que um bebé chorar tentarmos perceber aquilo que ele precisa, nós ajudamo-lo, damos-lhe a mão. Com os mais velhos acaba por ser idêntico,  é preciso perceber que nesse momento da vida, é disso que as pessoas precisam e temos de ter essa sensibilidade de perceber que já precisámos e num momento todos vamos precisar ,não é? E, acho que é bom, que chegue esse momento e é bom é sinal que vivemos muitos anos e por acaso é uma questão em que eu penso muito “um dia vou chegar ai “e acho que é bom que as pessoas sintam que eu continuo ser humano ,mas que naquele momento preciso mais e que se calhar já dei muito e está na hora de me darem um bocadinho a mim.

 

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Agradecimentos: Yellow Star Company