AS MINHAS AVÓS
As minhas avós eram irmãs. E isso fez toda a diferença na minha família.
Vamos por partes: a avó paterna (Paulina) era mais velha que a outra (Irene), ambas nascidas no Porto, no seio de uma família de outras três irmãs.
Do meu avô paterno herdei o nome (Germano), passado de pai para filho e neto. Tradição familiar. Infelizmente nunca o conheci, porque morreu era o meu pai ainda uma criança.
A minha avó Paulina casou uma segunda vez com um senhor a quem chamávamos Tio. E isso durante muito tempo fez-me confusão: porque é que o marido da avó…não era o avô. Mas lá acabei por entender, quando cheguei à idade da razão.
Ambos casaram em Portugal e foi em Lisboa que nasceu o meu pai.
Pelo contrário, do lado materno, a avó Irene conheceu o meu avô José na então chamada Metrópole, e depois partiram para Moçambique. Foi ali que tiveram uma prole de sete filhos, o primeiro dos quais morreu ainda bebé.
Convém dizer que o meu avô José era brasileiro, nado e criado no Rio de Janeiro, pelo que todos nós – ao contrário dos brasileiros que têm costela portuguesa – temos algo de brazuca no sangue.
Irene e José viviam em Moçambique, ao contrário da Paulina e Raul que permaneciam em Portugal. Daí os meus pais (filhos número dois de cada casamento) só se tenham conhecido já na casa dos 20 anos. Consta que não se apaixonaram logo e até hesitaram bastante, por serem primos direitos. Mas o amor acabou por falar mais alto e no início dos anos 50 casaram.
De regresso aos avós: também do avô materno pouco ou nada frui da sua existência, já que morreu tinha eu 3 anos.
Restavam as avós: da Paulina lembro-me que era muito carinhosa com os netos (que iam aparecendo em largo número), e que adorava mostrar a sua cozinha e as arrumações ali feitas por si, como se de um museu se tratasse. Tudo impecável. Era o ex-libris da sua casa.
Também ela, infelizmente, faleceu tinha eu 8 anos, quando me encontrava em Portugal (onde vivi entre 1967 e 1968), graças à então chamada licença graciosa de 12 meses, concedida aos funcionários do estado que trabalhassem nas chamadas províncias ultramarinas. Lembro-me de ter recebido com tristeza a notícia, dada a custo pela minha mãe que reuniu a família na sala para comunicar a infausta novidade.
Só depois, já adolescente e adulto, vim a perceber melhor a sua personalidade e a ironia com que moldava a sua existência. Tive pena de não ter usufruído mais da sua vida.
Dos avós, portanto, só restava a materna, que viria a falecer nos anos 80, já com uma provecta idade.
Era severa e autoritária, pois criou sozinha, os seis filhos, todos nascidos em escadinha ao longo de sete anos.
Como acontecia com todas as mulheres da sua geração, era pouco instruída e nunca trabalhou fora de casa (também não tinha tempo…). Mas a sua maior qualidade eram os bolos: confecionou sozinha e de cor, todos os bolos de casamento da família, ainda com dois e três andares, primorosamente ornamentados.
Aos netos fazia umas papas de chocolate com maizena, que ainda hoje povoam o meu imaginário.
Talvez devido à idade e falta de confiança, nunca me sentei a seu lado a perguntar-lhe sobre a sua vida de infância e os anos em que esteve casada com o meu avô, de quem fazia mais de 30 anos de diferença. Era o hábito na altura: as raparigas saltavam dos colos dos pais para o dos maridos.
Passou pela vida com dificuldades. Depois da morte do marido, viveu em casa dos filhos. Apanhou o 25 de Abril de 1974 na Cidade da Beira, onde residia, e só dois anos depois veio para Portugal.
À distância, guardo da sua figura um misto de saudade e de tristeza, pois acredito que nunca tenha sido verdadeiramente feliz. Era uma mulher conformada. Mas não mais que isso.
Foi uma boa ajuda quando dela precisávamos. E hoje é apenas uma memória distante.
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