“Retratos Contados de Gustavo Santos”

Faz dois anos que Gustavo Santos decidiu mudar de vida e criar uma “nova terra “no Alentejo.

Já se passaram mais de dois anos desde que Gustavo Santos decidiu mudar de vida. Juntamente com a companheira, deixou a linda casa de sonho na Ericeira,onde os Retratos Contados lhe fizeram a entrevista que pode ser vista aqui: Retratos Contados de Gustavo Santos – Retrospectiva

Gustavo Santos decidiu trocar o a proximidade do mar da Ericeira por uma quinta em Avis, no Alentejo, com 21 mil metros quadrados. Fechou as redes sociais. Teve o segundo filho. Percebeu que mudar o mundo é “um devaneio ingénuo”.

Deixou para trás 200 mil seguidores no Facebook, desligou-se das redes, mas não se livra das polémicas. O autor, que já vendeu mais de 80 mil livros, lançou agora o seu 10º livro, Reencontra-te.

RESUMO

Sempre que o sol se põe, nada será como antes.
Mas sempre que amanhece, a vida pode ser tudo o queres.
Tem sido?
Alguma vez foi?

A minha era, ou melhor, pensava que era. Tinha tudo. Era quem queria ser. Mas em algum momento, revelado no coração deste livro, percebi que tudo o que tinha era pouco e que tudo o que era, era quase nada. Apercebi-me que me havia perdido com o conforto, com a soma de crenças, familiares e culturais, adquiridas ao longo de anos de traições, obrigações, quedas e medos. Durante anos não acreditei. Não perdoei como podia perdoar, não me explorei como podia explorar. Não entendi sinais que podiam ter mudado a minha vida num ápice nem soube interpretar as mais valiosas lições que outros e a natureza me facultaram. Só que num amanhecer, ela chegou. Vinha com a energia da Mãe-Terra. Sábia, intuitiva, bela. E com ela venci tudo, veio tudo, tive tudo, fui tudo.

Todos nós, em algum momento da nossa história, precisamos de alguém que nos dê a mão e nos leve de volta a casa. Eu tive essa felicidade, essa humildade, essa sede de viver. Quando pensei que sabia o que era o amor, amei ferozmente; mas foi quando o senti explodir na minha alma que chegaram todas as certezas. A oportunidade de uma nova vida, de integrar o elenco de uma Nova Terra, alicerçada nos mais nobres valores humanos, de ter tudo somente por entender os ciclos da natureza e de ser, finalmente, quem nasci para ser: um homem feliz. Ao longo destas páginas, partilho contigo a história do estreito caminho que escolhi fazer até redescobrir as minhas raízes, num processo de perdão, fé e autodescoberta, e convido-te a embarcares nesta viagem; desafio-te a que te reencontres contigo mesmo, com o melhor dos outros, com a tua missão de vida e com o lugar onde mora o teu coração.

Retratos Contados de Gustavo Santos

Foto: Tracy Richardson

Gustavo Santos é o convidado desta semana nos Retratos Contados. Nesta 1º parte da entrevista, fala da carência que sentiu durante muitos anos por ter crescido sem uma referência de figura masculina.


Tinha Arnold Schwarzenegger como o seu ídolo de adolescência, e por causa dele, o exercício físico passou a ter um papel fundamental na sua vida. Foi campeão mundial de Hip-Hop com o grupo “HEXA“, fez teatro, participou em novelas, participou num reality show e muito mais. Mas se todas estas atividades contribuíram para o crescimento do Gustavo, outros caminhos foram percorridos e deram origem ao Gustavo Santos conhecido do grande público.

“GUSTAVO SANTOS QUER INSPIRAR OS OUTROS A REALIZAR SONHOS”

Tem como objetivo inspirar os outros a realizar sonhos e objetivos concretizáveis. Afirma, “Realizo todos os meus sonhos”

“Sou um homem feliz! Aprendi que apenas dependia de mim para sê-lo e hoje acredito que todas as pessoas felizes têm o dever de inspirar os outros a sê-lo. É isso que faço todos os dias”.

A tua infância teve um episódio que te deixou marcas, que foi a separação dos teus pais. Fala-nos dessa fase da tua vida.

Gustavo Santos: Os meus pais separaram-se quando tinha apenas dois meses. Na altura, naturalmente, não tive a mínima consciência de nada, mas há medida que os anos foram passando essa ausência de estrutura gerou um halo que só anos mais tarde, quando eu próprio atingi o estado adulto e me apercebi que o amor vai e vem e que todos nós passamos por momentos em que as nossas escolhas não são as melhores, veio a ser preenchido pela aceitação.

A tua adolescência foi vivida com a carência de uma figura masculina e parental, de que forma isso te marcou?

Gustavo Santos: Sim, esse aspeto talvez tenha sido o que mais me influenciou e convidou, após muita dor, a superar-me e a descobrir-me sozinho. Não vivia com o meu pai, nunca cheguei a conhecer um dos meus avôs e o outro faleceu quando ainda era muito novo. Digamos que essa ausência masculina me fez caminhar, sem orientação, durante muito tempo. É difícil quando queremos ser homens e não sabemos como. Mas consegui, e hoje sou muito grato pela minha vida ter corrido dessa forma, pois sou um homem muito mais forte por isso mesmo. Além disso, tenho uma relação fantástica com o meu pai.

Que mensagens queres deixar para os jovens que estão a viver de momento a separação dos pais?

Gustavo Santos: Acima de tudo que não vivam as dores deles e que sejam capazes de aceitar que tudo é cíclico e que se o relacionamento/casamento deles não está a fluir, o melhor é cada um seguir o seu caminho, pois não há nada pior para um filho que os pais se manterem juntos por causa dele. Mais cedo ou mais tarde será culpado por isso mesmo.

Sabemos que a tua vida tem sido feita de transformações até te tornares naquilo que és hoje. Fala-nos um pouco da viagem do “Gustavo Infeliz até encontrares o Gustavo Feliz que és hoje”

Gustavo Santos: A viagem é igual para todos. Somos todos confiantes quando nascemos, perdemos todos uma boa parte da confiança à medida que nos educam (pais, sociedade e religião) e depois temos todos uma vida pela frente para a recuperar. Não há pessoas felizes que não sejam confiantes. E assim, a minha descoberta passou, em poucas palavras, por me colocar em primeiro lugar na minha vida, por me ouvir, por respeitar o que sentia e o que queria para mim e por lutar muito, muito mesmo, por todos os meus sonhos. Uma vez confiante, feliz para sempre.

És uma pessoa determinada! Lutas pelos teus sonhos até esses se tornarem realidade, nem que para isso tenhas que “romper” com tudo e todos. Os teus pais sonhavam com um projeto de vida para ti e tu seguiste o que o a tua cabeça e o teu coração sentiam.

Gustavo Santos: Todos os pais têm um projeto de vida para os filhos. A grande maioria quer que os filhos sejam o que eles nunca conseguiram ser e outros seguem o tradicional, o que é suposto ou parece bem. Poucos pais se dedicam a perceber o que é que, verdadeiramente, os filhos querem. Ainda estão muito amarrados às dificuldades que passaram com os pais deles. Enfim, fazem o melhor que sabem. Mas sim, sou um homem absolutamente determinado e um guerreiro no que toca a lutar pelos meus sonhos. E rompo, rompo mesmo com quem defende a estagnação ou vive petrificado no medo.

Que homem eras hoje se seguisses a vontade da tua família? E que homem és?

Gustavo Santos: Por muito bem intencionados que eles fossem, e eram, os meus pais amam-me, seria um homem infeliz. É óbvio, mas a culpa nunca seria deles. Seria sempre minha por permitir que fizessem da minha vida o que eles queriam e não o que eu sentia ser o melhor. Sou um homem feliz e responsável, que equilibro muito bem a disciplina que me imponho com a paixão e o prazer que preciso.

Através da tua escrita, pretendes tocar as pessoas, e levá-las a questionarem-se e a tornarem-se mais emocionais. Fala-nos desse caminho que tens percorrido e que tens levado os teus leitores a percorrerem.

Gustavo Santos: Não é através da escrita, é através das minhas ações onde está incluído, também, o que escrevo. As pessoas têm de saber tudo acerca delas e precisam encontrar meios para se materializarem em amor. A minha premissa é muito simples: o caminho é o amor e se mais pessoas souberem do seu inesgotável poder pessoal, melhor será o mundo onde todos vivemos. Assim sendo, há que contribuir para isso e estou absolutamente satisfeito com o que tenho feito até aqui.

Para ti pensar e sonhar é algo completamente distinto. Fala-nos dessas diferenças.

Gustavo Santos –Podemos pensar que queremos muito uma coisa, mas se não nos mexermos ela nunca vai aparecer, ou seja, pensar não chega; ao invés, o sonho, talvez por” comandar a vida” e por estar intimamente ligado ao que nos apaixona, tem o poder de nos fazer agir e conectar com o divino que há em nós. Quem vive não são os pensadores, são os sonhadores.

“A MAIOR HERANÇA QUE RECEBI FOI A CAPACIDADE DE LUTAR, DE ME SUPERAR E DE AMAR INCONDICIONALMENTE”

Foto: Tracy Richardson

Na 2º parte da entrevista, Gustavo Santos fala da mágoa com que viveu durante muitos anos por não ter dados ouvidos à avó Celeste e fala também da importância da avó Antónia na sua vida.

Sabemos que os teus avôs partiram quando eras pequeno. O relacionamento que tiveste com eles foi quase inexistente. O que sabes dos teus avôs? Que histórias te foram contadas sobre eles? Se tivessem vivido mais tempo, que avôs achas que teriam sido? E tu que neto terias sido para estes avôs?

Gustavo Santos: Tudo o que sei dos meus avós pode ser lido no meu novo livro, “O CAMINHO”. E sim, tenho pena de não ter contactado mais tempo com eles. Teria muito a aprender e, em exceção a esta minha última avó a quem dedico esse livro, muito mais para lhes dar. Fui, durante grande parte da minha vida, alienado do conceito de família, como tal, não os soube aproveitar na medida que podia. Dei o meu melhor. Já não me culpo e espero, numa próxima vida, crescer mais depressa ou ter mais oportunidades para me sentar aos seus colos e ouvir as suas histórias. No fim, e é isso que conta, fui o melhor neto que podia ser. Sinto um orgulho enorme na forma como cuidei, até ao último suspiro, da minha querida avó Antónia.

Quem foram, onde viveram? Que herança genética recebeste desses avôs que praticamente não conheceste?

Gustavo Santos: Foram o melhor que souberam, viveram entre as Caldas da Rainha/Santarém (avós paternos) e Montijo/Lisboa (avós maternos). Recebemos todos uns dos outros. Acredito, pelo que me contam e pelo que testemunhei, que a maior herança que recebi foi a capacidade de lutar, de me superar e de amar incondicionalmente.

Sabemos que não não partilhaste com a tua avó Celeste o amor e os afetos que querias ter partilhado. Apesar de viveres o “Agora” e lidares bem com o teu passado, houve uma altura da tua vida em que essa carência te marcou de alguma forma. Fala-nos a tua avó Celeste.

Gustavo Santos: A minha avó Celeste, mãe do meu pai, era um portento de metro e meio que fazia um puré de batata de bradar aos céus. Uma senhora adorável que fazia tudo para os outros. Julgo que passou a vida inteira a esquecer-se de si mesma. Vivia em Santarém, o meu local favorito para passar férias em miúdo. Era maluco e ela, coitadinha, tinha de levar comigo. Ela dava-me a liberdade que nunca sentira. E depois abusava. Recordo-a com muita estima. Na verdade, nunca fui para ela o neto que vim a ser. Não fui a tempo e isso, anos mais tarde, virou-se contra mim. Foi preciso um longo e profundo trabalho interior para me perdoar. Aliás, o perdão só veio a acontecer quando lhe dediquei o meu terceiro livro, “A DANÇA DA VIDA”.

Conta-nos o que ficou por fazer e que gostarias ter ter feito e dito à tua avó Celeste. Que herança recebeste da avó Celeste?

Gustavo Santos: Ficou por lhe retribuir todo o amor mas, acima de tudo, por lhe ter dado a oportunidade de me contar um segredo que família que me queria contar. Avisou-me para ir a Santarém o mais depressa possível, pois sabia que poderia morrer mais dia menos dia, mas, e por não lhe ver qualquer maleita, ignorei o pedido e fui adiando a minha viagem. Um dia, e de repente, morreu. Foi duro. Não me culpei por não chegar a saber o que me queria contar, culpei-me por não ter sabido ser homem suficiente para lhe dar a oportunidade de partir em paz contando-me o que tanto queria. Dela, herdei a vontade de ajudar os outros.

Avó Maria Antónia – livro O Caminho

Depois de 6 livros editados, (muitos deles com grande sucesso), tinhas decidido fazer uma pausa na publicação dos livros. No entanto, os últimos messes de vida da tua avó Maria Antónia, acabaram por servir de incentivo para escreveres o teu sétimo livro “O Caminho”.  Que caminho foi este que sentiste necessidade de percorrer?

Gustavo Santos – Todos nós, ao longo da nossa vida, vamos ter de lidar com a perda de alguém que amamos superiormente. No meu caso, foi a minha avó Antónia. E nesse processo, quer queiramos ou não, teremos de lidar com questões como a injustiça, o apego/desapego, o perdão, a aceitação, as dores dos outros, o fim, o amor e muitas outras. Ao seu lado, enquanto morria mais a cada dia, fui-me apercebendo que tinha de dar o meu melhor até ao fim, custasse o que custasse, e cedo percebi que o meu melhor era amá-la incondicionalmente e ser capaz de partilhar a nossa história, por forma a facilitar o caminho de quem está a passar pelo mesmo, já passou ou sabe que vai passar. Este livro foi uma enorme viagem interior e que serviu para me tornar ainda mais forte e consciente acerca da realidade que vemos e de tudo o que existe para lá dela.

A tua avó Maria Antónia teve o privilégio de viver 94 anos. Fala-nos da avó Maria Antónia e de como foram vividos estes 94 anos.

Gustavo Santos: Era uma mulher sublime. A minha grande referência no universo feminino. Uma lutadora, incansável na busca de si mesma e do amor. Encontrou-se e encontrou-o. Acredito que tenha partido com a convicção de missão cumprida.

Porquê a ligação à avó Maria Antónia em particular? Tem a ver com teres vivido com esta avó em alguma fases da tua vida, ou tem a ver com outras razões?

Gustavo Santos: Sim, há uma parte que está relacionada com isso mesmo. Vivemos juntos em duas fases distintas da minha vida. Mas, sobretudo, acredito que foi um reencontro de almas. O nosso amor sempre fora verdadeiro, demasiado incondicional para ter sido vivido apenas aqui.

Que recordações tens dos tempos que viveste em casa da tua avó? Do que sentes mais saudades?

Gustavo Santos: Na primeira fase tinha apenas meses de idade, logo, não me recordo. Na segunda, lembro-me de ter, finalmente, um quarto só para mim, de vê-la sentada na sua poltrona, de fazer bolinhos e de me tratar sempre com um enorme carinho. Adorava que arrancasse com o carro a patinar as rodas de trás, chamava-me “Fangio”, abria-me os olhos quando dizia uma asneira e levantava-me a mão quando lhe apalpava o rabo. Nunca me tocou a não ser para me abraçar. Estávamos constantemente a dizer que gostávamos um do outro, embora ela tivesse sempre a palavra final, quando dizia “eu gosto mais”.

A avó Maria Antónia foi a matriarca da família. Fala-nos da mulher Maria Antónia, da Mãe, da Avó … ou seja fala-nos das várias mulheres que foram a avó Maria Antónia.

Gustavo Santos: Levei 250 páginas para conseguir isso e para expressar a forma como esses vários “eu” me inspiraram de uma forma brilhante. Resumindo, ela foi, de facto, mulher, mãe e avó, mas o que ela foi mesmo, e para isso precisou de muitas décadas de aprendizagem, foi o amor.

A avó Maria Antónia “Tinha feitio de mandona, expressão firme e presenteava-te sempre com mimo” Fala-nos desse paradoxo.

Gustavo Santos: Era autoritária. Aprendeu a sê-lo através da dor. Tinha uma expressão intimidante quando não gostava da forma como as coisas iam ou eram ditas, mas no fundo era um doce. Digamos que a sua essência de amor, teve, não poucas vezes, de se fazer forte para fazer face a tanta guerra.

A tua mãe e a tua avó viveram uns tempos menos próximas pois “não se sentiam por completo” Fala-nos do reaproximar das duas, do amor que havia entre elas e do quão difícil foi para a tua mãe assistir aos últimos tempos da mãe dela.

Gustavo Santos: A relação entre pais e filhos é sempre um enorme desafio e o perdão é uma peça chave de todas as reconciliações. Foi muito bonito testemunhar a reconquista daquele amor. Falavam todos os dias ao telefone quando a minha avó vivia sozinha, riam e partilhavam os maiores segredos. Acredito que, por vezes, são precisos anos para pais e filhos se entenderem de vez. Naturalmente, e após tamanha reconquista, foi muito difícil para a minha mãe ver o definhar da sua. Tive muitas conversas com ela e a partir de determinado momento a aceitação deu-se. Ambos desejávamos que ela nos morresse nas mãos, queríamos estar ao seu lado nesse momento, e assim aconteceu.

Dizes que a tua avó Maria Antónia o “ ser mais inteligente e resplandecente com quem mais aprendeste.” Fala-nos desses ensinamentos e dessa aprendizagem

Gustavo Santos: Os ensinamentos estão patentes nas 16 lições que partilho no livro, mas gostava de destacar a sua tremenda habilidade de perdoar e rir, independentemente do tumulto em que estivesse a sua vida ou daquilo que diziam a seu respeito. E sim, era muito inteligente. Tinha uma enorme capacidade de saber estar, lia muito, sabia muitas coisas, era interessada e tinha sempre uma opinião. Resplandecente, porque a sua alma e o seu sorriso iluminavam qualquer sala. A minha avó era luz.

Sempre trataste a tua avó por Você, não por uma questão de respeito (ou por ela assim o exigir), mas pela “sua presença ser sempre sinónimo de referência para ti”. Fala-nos disto.

Gustavo Santos: Quando a admiração é muita, a reverência é maior. Sempre senti que tinha diante de mim um ser superior, como tal, o “você” era o assumir que estávamos em níveis diferentes de consciência. Todos os dias dou o meu melhor para atingir aquele patamar e, se possível, escalar ainda mais alto. E não é para me tratarem por você, é porque esta experiência de estarmos vivos só faz sentido se houver uma constante, e gradual, evolução na nossa consciência.

” O CAMINHO NÃO É UM LIVRO SOBRE A MORTE MAS SOBRE A VIDA”

A tua avó andava sempre com um caderninho e uma caneta para escrever graças novas ou retratos fieis do seus passado. O que é feito desses caderninhos onde a avó Tó foi escrevendo ao longo da vida. Costuma desfolhá-los ou estão guardados religiosamente?


Gustavo Santos:
 Esses caderninhos estão na minha secretária, bem junto dos meus livros. Olho-os, partilho-os e folheio-os muitas vezes. Ver a sua caligrafia ainda me emociona e lê-la ainda me faz senti-la perto. Muitos dos textos estão carregados de emoção, é como se a tinta das letras ainda estivesse fresca e ela viva.

A tua avó foi (e continua a ser), uma referencia na tua vida. É onde te inspiras quando te deslocas ao miradouro da tua existência. Fala-nos dessa energia, dessa cumplicidade, dessa luz que ilumina o teu caminho …

Gustavo Santos: Sim, tenho-a como a grande referência da minha vida. Ao seu lado apenas coloco Mandela e Luther King. Ela é aquele ponto onde me foco quando tenho dúvidas a meu respeito. É a olhar nessa direção, e normalmente é de olhos fechados que a vejo, que me questiono. E quando tudo me parece difícil, recordo-me do que ela passou, de como ela se superou, e depois tudo na minha vida me parece fácil.

A tua avó viveu uma linda história de amor com a sua alma gémea. Fala-nos dessa história de amor.

Gustavo Santos: O amor não tem fronteiras, não pode ser avaliado e muito menos censurado. O amor é o amor, é tudo, é o que somos e temos de reaprender a ser. Nesse sentido, é me indiferente se o amor da vida da minha avó foi um primo direito dela. O importante foi o que deram um ao outro e o facto de, por terem escolhido arriscar e vivê-lo, o terem ancorado neste mundo. Era emocionante ouvi-la falar dele, quer fosse nos tempos de miúdos em que se conheceram ou décadas depois quando se reencontraram e entregaram até onde o corpo dele aguentou. Morreu-lhe nas mãos.

Muitos criticam os os mais velhos por voltarem a ter relacionamentos … Como se houvesse idade a partir da qual os mais velho já não teriam possibilidade , nem capacidade de poder viver o Amor e serem felizes. Qual a tua opinião sobre este assunto?

Gustavo Santos:  A minha opinião é que as pessoas andam tão longe do amor que quando alguém o encontra parece crime. Os velhos ainda são gente, ainda são gente que sente e quem sente não tem idade.

Queres que as pessoas voltem a acreditar nelas próprias e na possibilidade de se tornarem mais felizes. Par isso, usas o exemplo da tua avó, a sua força interior, determinação… Quais foram as 16 lições de vida que que aprendeste com a tua avó Antónia e que te te serviram de guia para elaborares o livro O Caminho?

Gustavo Santos:  Não vou abordar as 16 lições uma a uma, deixo essa descoberta para quem estiver a ler o livro, no entanto uma coisa posso dizer, todas elas representam o amor na sua mais pura essência. Foi ao seu lado, enquanto todos os dias morria mais um bocado, que experimentei a verdadeira habilidade de amar, sem condições, sem expectativas, sem nada. O desafio era simples: tinha de dar o meu melhor, tinha de dar tudo, amá-la até às últimas consequências, entregar-me por completo e ainda assim vê-la morrer e ficar sem nada. Quando conseguimos amar a este nível e depois ainda somos capazes de aceitar e agradecer a oportunidade que vivemos, independentemente da dor, percebemos que a vida e esta experiência de estar vivo vão muito para lá do óbvio. Há todo um universo de afetos por descobrir.

Qual a maior declaração de amor que fizeste à tua avó? E a maior declaração de amor que a tua avó te te fez a ti.

Gustavo Santos: A maior declaração de amor que fizemos um ao outro foi o enorme respeito que sempre tivemos pelas escolhas de cada um. Muitas vezes lhe disse o que sentia e ela a mim, mas não há palavras que definam o amor, são os gestos e as ações que lhe dão corpo e nesse sentido, e é com uma emoção especial que o escrevo, amámo-nos muito.

Dizes no teu livro que ias ao lar diariamente visitar a tua avó, por ti e não por ela! Fala-nos da energia que precisavas e do bem que te fazia estar com a tua avó (mesmo quando ela não dava pela tua presença).

Gustavo Santos: Sim, temos de aprender que só faz sentido fazer as coisas por nós. De nada adianta fazer as coisas pelos outros por forma a parecer bonzinhos se não nos apetece ou não nos diz nada. E a explicação é simples: perdemos autenticidade, soamos a falso e desrespeitamos ambos os lados. O nosso porque não queremos estar ali e o dos outros porque não estamos por completo. Eu ia ver a minha avó, não porque ela estava a morrer, mas porque me fazia bem estar ao lado dela. Se fosse por ela, sempre que fosse contrariado ia cobrar-lhe ou perder a motivação pois muitas das vezes nem dava por mim.  Ela era o meu passaporte para viajar dentro de mim. Aquele silêncio convidava a isso mesmo. Não há nada mais fundamental que uma visita ao nosso interior, só assim sabemos quem somos, o que queremos fazer e de que forma podemos contribuir para com os outros. Tudo o que és está dentro de ti.

Dizes que”Este não é um livro sobre a morte, mas sobre a vida”. Fala-nos dessa comparação.

Gustavo Santos: O pano de fundo desta história é a morte da minha avó, mas tudo o que partilho é a vida na pura ascensão da palavra. O amor é vida, a paixão também, o perdão e a aceitação igual e por aí adiante. Mais, tenho a absoluta convicção que quem ler este livro não lhe será indiferente. Imagens suas ou de parentes próximos visitar-lhe-ão o peito e a dor aparecerá. O livro também foi escrito para que as pessoas pudessem visitar essa dor. Sim, aquela dor que ainda lateja e não ficou resolvida. A ideia, claro está, não é para ficarem tristes, mas sim para conseguirem curá-la e, posteriormente, transformá-la, por forma a terem uma vida mais equilibrada e feliz. Ninguém está bem com coisas por resolver!

Já passaram alguns anos desde que a avó Maria Antónia te deixou fisicamente. Como tem sido viver sem a avó Tó?

Gustavo Santos: Sim, é incrível como passou tão depressa. Parece que ainda a tenho viva na mão. Foi um ano intenso. Depois de morrer ainda estive muitos meses de volta do livro e a escrevê-la viva. E depois, e para quem acredita como eu na eternidade, temos comunicado muito. Agradeço-lhe cada triunfo. Na verdade, já estamos habituados a isto. Já fizemos muitas vidas juntos.

No lar foste assistindo à partida física da tua avó. Como é aceitar o fim de alguém que amamos? Como é saber que essa pessoa vai deixar fisicamente na nossa vida, que já não podemos pegar no telefone e ouvir a voz dessa pessoa…

Gustavo Santos:  Acabou por ser natural. A morte só é o fim que conhecemos, de resto não passa de uma ponte para outra dimensão. Durante o processo doeu, chorei muito, mas depois fui aceitando a inevitabilidade. Uma coisa que me ajudou muito foi a consciência constante que estava a dar o meu melhor. Quanto ao não poder ouvir a sua voz, é verdade, mas posso continuar a senti-la, basta-me fechar os olhos. Além disso, já me visitou em sonhos algumas vezes e aí sim ouvi a voz dela. Estava igual, cheia de classe e bem disposta.

Que recordações ficaram tatuadas na tua mente nas horas que passaste ao lado da tua avó no lar?

Gustavo Santos: A glória do seu esforço, o seu lento acenar com a mão quando me ia embora, as suas graças quando o que estava a viver não tinha piada nenhuma, o definhar do seu corpo, a exposição da intimidade, a incapacidade, os cafunés que lhe fazia, as feridas na pele, a ausência de esperança, a competência das profissionais, os seus gemidos, os nossos olhares, as nossas mãos dadas, a luz do dia que ia baixando de intensidade com o passar dos minutos, o silêncio, as perguntas, as dúvidas e as respostas, o cheiro, as lágrimas, a vida.

Enquanto assistias ao afastamento físico da tua avó, que recordações da tua infância (e não só) te foram revisitando?

Gustavo Santos:  Não me recordo. Sei que passei grande parte desses momentos no “Agora”, à procura de sentir tudo o que houvesse para sentir e de pistas que a minha intuição me pudesse dar acerca do que estava a acontecer, como tal, não me lembro de abdicar disto para recordar o que quer que fosse. Tenho hoje muito tempo para fazê-lo e faço-o.

O que sentes hoje em dia, quando comes uma laranja? (Quem ler o livro “O Caminho” entende a pergunta)

Gustavo Santos:  Fizeste-me chorar.  Não costumo comer, mas se calhar devia. Obrigado.

Os Retratos Contados apresentam-se como um projeto único e diferenciador, uma vez que nos focamos numa área diferente do habitual. O nosso objetivo principal, é o de falar das ligações entre avós e netos. A importância dos papel dos avós na vida dos netos e vice versa. O que achas deste projeto?

Gustavo Santos:  Mais que sensível e enternecedor, é um projeto vital para despertar as consciências adormecidas de muito netos, filhos e das pessoas em geral. Tenho para mim que os avós são o elo mais importante de cada família. Representam a sabedoria, a consciência elevada ao extremo, seja pela dor ou pelo amor. E mais, sabem esperar por nós, os netos, que andamos desalmados por aí e nem damos conta deles. Tenho uma enorme estima pelos velhos e, sobre a vida, não há melhores pessoas para nos falarem sobre ela, não para fazermos igual, mas para sabermos o que tiveram de fazer e como o fizeram até chegar onde estão.

Nos Retratos Contados falamos de envelhecimento ativo, do abandono dos idosos, dar a conhecer atividades para serem feitas pelos mais velhos, ou para os mais velhos fazerem com os netos. Quando olhas para o nosso país, como vês a população mais velha?

Gustavo Santos: Abandonados. Mais do que sem recursos económicos, vivem sem afeto, sem amor à sua volta. É triste perceber que a validade da vida não acaba na morte mas sim na ausência de necessidade. Quando já não são precisos, despachamo-los e eles que se virem, sozinhos ou a depender de pessoas que não conhecem de lado nenhum. É importante ter a consciência que os velhos já foram novos, já amaram e foram amados, já acertaram e erraram muitas vezes e que, na melhor das hipóteses, um dia seremos como eles. Será que é assim que queremos passar os nossos últimos meses ou anos de vida? Um velho não é lixo, é um mestre e aos mestres dá-se respeito. E se não puderem estar em nossa casa, que sejamos visitas frequentes onde quer que estejam. Temos de encher os lares de vida, caso contrário, aqueles que um dia nos carregaram ao colo e encheram de beijos morrem ainda antes de morrer.

A tua avó viveu os últimos tempos de vida num lar. Que impacto teve para ti essa decisão? O que sentiu a avó Tó sobre isto?

Gustavo Santos: Para nós, família, foi uma decisão muito ponderada. Não queríamos de todo, mas a pneumonia que ela apanhou logo após celebrar os seus noventa e quatro anos levou-lhe a força das pernas. Começou, portanto, a precisar de acompanhamento a todas as horas do dia. Perdeu autonomia, ficou dependente. Para mim foi duro. Custou-me aceitar que aquela mulher teria de sair da casinha que tanto amava, mas depois percebi que não restavam alternativas. A minha avó desistiu no momento em que percebeu que ali seria a sua última morada. Eu também perderia a vontade de cá estar.

Que imagens tens dos outros idosos? Que opiniões ouviste dos outros idosos (em relação a viverem num lar), quando ias visitar a tua avó?

Gustavo Santos: Estavam quase sempre sozinhos. Digamos que numa ou outra tarde eu era a visita de todos. Depois, e porque obriguei a diretora do lar a não deixar a minha avó ir para a sala comum, a dor naquele espaço era enorme e nós queríamos estar apenas em família e levá-la para longe dessa realidade, perdi um pouco o fio à meada. A imagem que me ocorre, e decrevi-a no livro, é que parecia estar cada um a morrer para seu lado. A abstinência de esperança é talvez a visão mais aproximada do inferno.

Que palavras tens para dizeres à pessoas que: Estão em lares

Gustavo Santos:  Aceitem a condição e se ainda tiverem saúde procurem fazer amizades e falem, falem muito uns com os outros. Independentemente de tudo, e ainda que possa não parecer, são amados.

Familiares de pessoas que estão em lares

Gustavo Santos:  Eu conheço a dor de se ir visitar alguém que amamos a um lugar destes. Dói muito e isso, ainda que amemos essa pessoa, acaba por nos afastar. Eu percebo isso. Eu próprio levei quinze dias a tentar perceber como ultrapassava a dor daquela primeira visita na sala comum. Ainda assim, nada disso serve como justificação para não agirmos, para não estarmos com eles e para não os enchermos de afeto. Têm de se superar, inventar estratégias, mas precisam ir. Se não forem, além de não estarem com quem amam ainda se vão culpar, a partir do dia em que essa pessoa morrer e para sempre, por não terem estado. Eles merecem e nós conseguimos.

Auxiliares que trabalham em lares

Gustavo Santos:  Tenho um enorme respeito e admiração pela vossa missão. Escolheram amar os desconhecidos, dar colo aos abandonados e alimentar os esfomeados. Para vocês uma gratidão enorme. Tiveram um papel decisivo na extensão da qualidade de vida da minha avó. Fizeram o que eu não seria capaz e o que outros simplesmente não quiseram saber. A vossa contribuição enche-me de esperança.

Entrevista: Nélson Mateus (Retratos Contados) e Adelaide de Sousa

Fotos: Tracy Richardson