“Diário de uma avó e de um neto”
Sábado, 03 de julho 2021
Querida avó,
Recentemente achaste que eu estava tristinho por ter abordado o tema “Alzheimer” neste nosso “Diário”.
Nada disso!
Apenas partilhei contigo um tema triste, o Alzheimer, por ter ido ao cinema ver o filme “O Pai”. Um tema que (infelizmente) é um problema muito comum a tantas famílias, e que não deve ser ignorado.
Tal como ficamos a pensar quando ouvimos certas notícias, o filme também me deixou a pensar nesse flagelo. Mas não estava triste. Aliás, como dizia a minha avó Clementina “Tristezas não pagam dívidas”.
Por falar em alegrias, fui ver a hilariante: “A Peça que dá para o torto”.
Resume-se mais ao menos a isto:
O Núcleo de Teatro da Sociedade Recreativa e Cultural do Sobralinho tem uma oportunidade única: vai poder apresentar a sua mais recente produção, Crime na Mansão Haversham, no palco do Auditório dos Oceanos, no Casino Lisboa. O grupo amador está entusiasmadíssimo. No entanto, todos estão bastante nervosos com a estreia desta peça de mistério, ao estilo Agatha Christie.
O público (nós) enche a sala. Ainda com as luzes acesas já está tudo a correr mal no palco. Coisas que caem no cenário, portas que não se fecham… enfim. A partir daí vai tudo de “mal a pior”. Os atores enganam-se nas falas, os adereços não estão nos lugares certos, o cenário começa a partir-se … tudo isto num rimo alucinante e o público numa excitação enorme a dar palpites. Enfim, os atores estão sempre a resolver os problemas e a seguir em frente, mas o caos é total.
No final senti-me como se tivesse estado numa montanha russa durante praticamente duas horas.
Que maravilha de peça!
Por falar em dar para o torto, sabes que esta foi para aí a quarta vez que tentei ir ver a peça. Quando estreou no início de 2020 eu estava na Áustria. Quando voltei fechou tudo com a Pandemia. Tenho estado a tentar ir desde a reabertura dos Teatros, mas não tem estado fácil.
Finalmente conseguir ir.
Estava capaz de ir buscar-te à Ericeira para veres a peça depois levava-te novamente à tua pátria.
Mas o sucesso está a ser tanto que acredito que a peça esteja em cartaz meses a fio.
O que está a dar para o torto é tudo o resto… Sabes que “A Peça que dá para o torto”, está em cena no Auditório dos Oceanos, que como tu bem sabes se situa no interior do Casino de Lisboa. O que corta o coração é ver o Casino de lisboa encerrado, por causa de todas as medidas, e abrir portas apenas nos dias de espetáculo e com acesso único ao Auditório. Tudo o resto fechado (tirando os wc claro).
Onde iremos parar com tudo isto?
Como diria o Freddie Mercury “the show must go on”.
Por falar em “Dar para o Torto”, as coisas para o Joe Berardo também estão bem tortas…
E tu? Como tens passado?
Já sei que também te divertiste muito no “Zoom” sobre o livro “O Carteiro de Pablo Neruda”. A Filomena Barros, e o restante grupo, estão felicíssimos com a tua participação. Parece que a conversa sobre o poeta chileno, que conheceste em Paris, não podia ter corrido melhor. De tal modo, que em breve, querem fazer um Círculo de Leitura sobre os teus livros. Que bom.
Adoro que te mantenhas ativa e te divirtas.
Abençoadas tecnologias que te permitem chegar bem longe, mesmo não saindo de casa.
Bjs
Querido neto,
Nem penses em vir buscar-me para ir contigo ao cinema ou ao teatro, porque eu não vou. Para usar a expressão que utilizas, isso está mesmo a dar para o torto outra vez, sobretudo aí por Lisboa, onde não penso pôr os pés tão cedo.
E vou-te contar uma coisa que muito pouca gente sabe: neste dia 29 de Junho em que te estou a escrever, mas de 1978, casei-me. Imagina!! Finalmente o Salgado Zenha tinha promulgado a lei do divórcio—e nós aproveitámos logo para deixarmos de estar na “clandestinidade”. Mas nessa altura havia uma modernice—que acho que já não há—a saber: a mulher, se quisesse, podia adoptar o apelido do marido; mas o marido, se quisesse, também podia adoptar o nome da mulher. E a senhora lá do registo perguntou ao Mário se queria adoptar o meu apelido. E aí eu respondi, “olha que disparate, os miúdos têm o apelido do pai, agora o pai ficava com o apelido da mãe, mas que confusão!”
Foi então que a senhora percebeu que nós não éramos exactamente um “casal virgem”, abriu muito a boca e exclamou “ah! Já há filhos?” E eu, a apontar para trás de nós: “estão ali”.
Depois eu voltei para o Diário de Notícias, onde estava a trabalhar, e o Mário foi trabalhar para casa e levou os miúdos. Foi assim um casamento “meio às três pancadas”—e uma data que eu nunca festejei, porque, para mim, o dia de casamento tinha sido o dia 23 de Maio de 1968, quando eu cheguei de Paris para ir viver com ele. Uma vida a dois, que durou 34 anos, sem quebras, até à sua morte.
Às minhas velhas tias, sempre muito respeitadoras, e muito felizes por eu ter finalmente “legalizado a minha situação” (como elas diziam..) ,fazia-lhes muita confusão que eu não festejasse o dia 29 de Junho. E quando eu lhes respondia “só se for por ser Dia de São Pedro!”, viravam-me as costas, ofendidas…
Ai meu Deus, como os tempos mudaram…
E lá vou até à praia, à esplanada do Sr. Rui, que ainda é pior do que eu: as mesas estão para aí a um quilómetro de distância e só podem estar 3 pessoas numa mesa. Para ver se, por aqui, isto não dá para o torto.
Beijinhos e tem cuidado
Saibam muito mais sobre o espetáculo aqui: www.uau.pt
Outros capítulos aqui: “Diário de uma avó e de um neto.”