“PROGRAMA DA MANHÓ
Crónica publicada no Jornal de Mafra
PROGRAMA DA MANHÃ
Sou completamente radio-dependente.
Se a televisão, de repente, avariar, não me custa nada . Pronto, admito, custa-me um bocadinho porque fico privada das séries da Fox Crime, e não sei o que acontece à Miss Fisher, que é uma detective dos anos 30, que anda pelos bas-fonds de casaco de peles e pistola de madrepérola.
Mas, se não tiver rádio, ando a bater com a cabeça pelas paredes.
A primeira coisa que faço assim que acordo, ainda mal consigo abrir os olhos, é ligar o rádio do meu quarto.
Vou fazer café e tomar os remédios todos—e ligo o rádio da cozinha.
Vou tomar duche—e ligo o rádio da casa de banho.
Vou ver se tenho mails e se já há animação na minha página de Facebook—e ligo o rádio da sala.
A Antena-1 (sou muito fiel aos meus vícios, e este é um vício bom…) em estereofonia….
E , como sou muito madrugadora , digamos que a voz sempre bem disposta do Zé Candeias ,que arranca aí pelas 5 da manhã (é verdade, gente!, há mesmo quem tenha uma voz bem disposta às 5 da manhã…) é o meu despertador.
Depois vou ouvindo as rubricas habituais, se chove ou se faz sol, se está mais frio ou mais calor, sofro imenso com os problemas diários de trânsito no Nó de Francos e na Rotunda de Bessa Leite (que nem sei onde ficam) e por aí fora.
Uma das rubricas que ouço sempre é a da Alice Vilaça, “Portugueses no Mundo”. Ela lá descobre portugueses que trabalham e vivem ou estudam em sítios que quase nem vêm no mapa.
Na semana passada a entrevista era com um português (tenho muita pena mas não fixei o nome) que vive e trabalha no Vietname, mais exactamente em Hanói.
Perfeitamente integrado, casado com uma vietnamita, e a viver com os sogros na mesma casa, e a fazer a vida normal de uma família vietnamita que, segundo diz, nem é muito diferente de uma família portuguesa (a não ser o sogro, que faz karaoke todas as noites em altos berros…)
No trabalho é que duas coisas lhe fizeram, a princípio, um bocado de confusão.
A primeira, logo no dia em que se apresentou na empresa de telecomunicações para onde ia trabalhar. O director foi com ele fazer uma espécie de visita guiada. Abriu uma porta—e na sala toda a gente estava esparramada em sofás ou com as cabeças sobre as mesas—a dormir. Abriu outra porta—a mesma coisa. E assim em todas as portas que ia abrindo. O nosso português, coitado, a pensar mas o que é que aconteceu a esta gente? doença colectiva? envenenamento?
Acalmaram-no. Nada disso. Acontece que o pessoal tem duas horas para dormir, a seguir ao almoço, no local de trabalho.
Outra coisa que também lhe fazia confusão é que ninguém, mas absolutamente ninguém lhe respondia aos mails. Por mais que insistisse, nada, resposta nenhuma, de ninguém.
Queixou-se—e então informaram-no que ninguém naquele país responde a mails. Quer perguntar alguma coisa, combinar alguma coisa, discutir alguma coisa, informar de alguma coisa—telefone. A falar é que a gente se entende.
Não sou nada oriental, juro. Mas estas duas medidas até eu era capaz de seguir. Só não sei se dormir no local de trabalho seria assim muito confortável. Se calhar os meus ossos eram capazes de refilar um bocado.
Mas com tempo até eram capazes de se habituar.
Até porque, como dizia a minha avó Gertrudes, “isto a gente só não se habitua à morte” …
A publicação destas cónicas é uma parceria entre os Retratos Contados e o Jornal de Mafra.
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