“MARIANO DEIDDA E FERNANDO PESSOA”
Crónica publicada no Jornal de Mafra
PRAZERES MINÚSCULOS
Alice Vieira
Um escritor francês chamado Philippe Delèrm tem um livro intitulado “La Première Gorgée de Bière et Autres Plaisirs Minuscules” (“O Primeiro Gole de Cerveja e Outros Prazeres Minúsculos”) a que recorro muitas vezes e que tenho oferecido a muitos amigos.
Não sendo—muito longe disso!!—um livro de autoajuda, é um livro (muito bem escrito) que nos faz pensar em pequenos pormenores a que normalmente não damos atenção—e acabam por ser, na maior parte dos casos, aquilo que nos faz feliz sem darmos por isso. Ou antes: só damos por isso quando eles nos faltam.
Por isso ele lhes chama “prazeres minúsculos”.
A torrada dos pequenos almoços de domingo.
Ajudar a descascar ervilhas.
O cheiro das maçãs.
Comer ao ar livre.
Ler na praia.
E por aí fora.
Lembrei-me muito deste livro nestes últimos tempos em que duas vértebras partidas me fizeram ficar estendida na cama sem me mexer durante um mês, e a que se seguiu uma recuperação muito lenta.
Quando finalmente o médico me deixou levantar, ainda que por pouco tempo, o mundo pareceu-me diferente.
Olhar pela janela e ver o prédio em frente. Tomar duche sem a ajuda de ninguém. Sair à rua e sentir o ar na nossa cara. Beber um café na nossa mesa do costume, saber quem nasceu, quem morreu, quem casou, quem descasou, quem se foi embora, quem perguntou por nós. Abrir a caixa do correio e descobrir dezenas de postais que os amigos nos mandaram. Poder estar sentada diante do computador.
Descobri finalmente, e à minha custa, esses prazeres minúsculos em que nem reparamos no nosso habitual dia a dia ,feito de pressas e correrias.
E, nestes prazeres minúsculos (“maiúsculos”, neste caso), a presença dos amigos.
Amigos a sério. Daqueles que não se limitam a dizer “se precisares de alguma coisa, diz” —sabendo que nunca o diremos..—mas que, entre eles, combinam o que fazer para que nada nos falte. (Haviam de ver a minha cara de espanto quando a minha amiga Cristina, da Torreira, me entrou pelo quarto dentro. Tudo combinado nas minhas costas…)
Nestes meses em que praticamente estive dependente de todos, as minhas amigas revezaram-se para que eu nunca estivesse sozinha, dia e noite. Ainda nos ríamos porque, de vez em quando, uma ligava a perguntar” para quando é que eu estou escalada?”
Só faltava a tabela, como nos teatros.
A amizade é isto.
E nós que, no nosso sofá e olhando para a televisão, estamos sempre prontos a ajudar todos os que estão a quilómetros de distância—muitas vezes nem nos lembramos de quem está ao nosso lado e precisa de ajuda.
Ajudar a Humanidade não custa nada; o que custa é ajudar o vizinho, o colega de trabalho, a avó, etc.
Há dias um amigo dizia-me: “às vezes acontecem-nos coisas más e é muito complicado; mas repara nas coisas boas que também te acontecem nessas alturas e que certamente nunca te teriam acontecido se não tivesses tido coisas más.”
O meu amigo é um anjo de pessoa, mas meio filósofo de pacotilha—só que, desta vez, estava cheio de razão.
Fiquei a conhecer muito melhor os meus amigos, mesmo aqueles que eu achava que conhecia bem.
E fiquei a apreciar melhor cada momento de cada dia.
A apreciar melhor o que a vida nos dá. E o que podemos dar aos outros.
Olhem, já que estamos em tempos de prendas de Natal, vão a uma livraria e tentem encontrar o livro do Philippe Delèrm. Há uma excelente tradução portuguesa (da minha amiga Inês Pedrosa). Não o deixem escapar.
Por mim, já o voltei a pôr, mais uma vez, à minha cabeceira.
A publicação destas cónicas é uma parceria entre os Retratos Contados e o Jornal de Mafra.
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