“O QUE ELES IGNORAM…”
Crónica publicada no Jornal de Mafra
O QUE ELES IGNORAM…
No momento em que escrevo esta crónica acabaram, nas televisões, as transmissões directas do enterro de Mário Soares.
As jornalistas ( nos directos eram mais As jornalistas que Os jornalistas) lá se esforçaram por preencher os momentos mais parados, perguntando a este popular e mais àquele outro popular, e à senhora que veio de Matosinhos, e à outra que veio de Ílhavo, e mais à senhora que lamenta não ter sido feriado nacional , e à outra que leva uma fotografia de Soares que já tem há anos, e ainda aquela que lamenta não ter a cultura que Soares tinha (“mas tu também tens!”, diz-lhe uma amiga que está atrás, “sim, mas ele tinha mais”), e por aí fora…
Tudo gente adiantada em idade.
Porque, tirando os alunos do Colégio Moderno, que falaram bem e deram as suas opiniões, e as criancinhas da escola João de Deus, na Av. Pedro Álvares Cabral, que vieram bater palmas para a rua mas que muito possivelmente, pela sua tenra idade, nem entendiam o que se passava—a verdade é que não se viu gente jovem no enterro. E sempre que os jornalistas perguntavam aos tais populares entrevistados se os filhos saberiam o que representava Mário Soares, e se sabiam qual tinha sido a sua luta—a resposta era sempre a mesma: não, eles já não viveram isso e por isso não sabem. Mas o mais curioso é que muitos desses populares reconheciam que tinham sido os pais e os avós a falarem-lhes de Soares e de muitos outros, e do que tinha sido a luta pela liberdade em Portugal.
Pena que eles não façam o mesmo com os seus filhos e netos, que assim tomam a liberdade e a democracia como dados adquiridos, como se nunca tivesse sido doutra maneira –e nem querem pensar no assunto.
Culpa dos pais que não conversam. Culpa da escola, que não ensina.
E o caso toma ainda proporções mais graves quando se ouve, por exemplo, na Antena 1, alunos da Faculdade de Direito responderem, a propósito de Soares, que a única coisa que dele sabem é que era velho. Sim, um ou outro ainda mencionou, muito por alto, a luta pela democracia—mas apenas um ou outro… O que dali sobressaía era que tinha morrido um velho.
E este caso não é único. Sempre que se fala aos jovens da nossa história recente (claro que, para eles, 1974 é pré-história…) o desconhecimento é completo, ou então vêm com aquela frase feita, “ah isso é política e eu em política não me meto” (Lembro-me, há anos, quando se falava do “Evangelho” do Saramago, alguém ter respondido “essas coisas não leio porque não sou religioso.” …)
É claro que isto não é fácil de resolver. Uma amiga minha, que é professora, falou um dia da Guerra Colonial aos seus alunos—e teve logo a queixa de uma mãe a dizer que ela estava a fazer política na sala de aula, e isso ela não permitia.
O pior, como dizia um amigo meu, é que são esses que um dia vão governar este país…
A publicação destas cónicas é uma parceria entre os Retratos Contados e o Jornal de Mafra.
Não deixem de ver mais cronicas aqui publicadas: Cronicas da Alice Vieira no Jornal de Mafra
Espreitem aqui o Jornal de Mafra e aqui o Facebook do Jornal de Mafra
Vejam aqui os testemunhos: Retratos Contados
Espreitem aqui as Sugestões Retratos Contados
Sigam-nos no Faceook : Retratos Contados