“NUNCA VOLTES AO LUGAR….”

“NUNCA VOLTES AO LUGAR….”

Crónica publicada no Jornal de Mafra

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NUNCA VOLTES AO LUGAR….

Neste momento estamos a meio do Festival da Canção. Quer dizer, já se ouviu um primeiro lote de cantigas, falta ouvir o segundo, e depois há a  final. Há um júri que vota—mas não é soberano, como normalmente os júris são, porque há que acrescentar aos seus votos os votos que electronicamente o público vai mandando. O que significa que a canção que ganha pode nem ser aquela que os jurados consideraram a  melhor—e os jurados, penso eu, são pessoa entendidas…–mas se calhar aquela que tinha mais irmãos, e primos e tios e amigos de telemóvel na mão a votar nela.

Todos os que já são meio velhotes se recordam da excitação que era noutros tempos o Festival da Canção.

Lembro-me que uma vez, numa das suas primeiras edições, tinha eu começado há pouco a trabalhar no “Diário Popular”, me mandaram fazer um inquérito telefónico para saber o que estava aberto e o que fechava nessa noite em que o país só tinha olhos e ouvidos para o pequeno écran.

Até hoje não consegui esquecer a voz ofendida da Sra. D.Amélia Rey-Colaço quando lhe perguntei se o Nacional fechava.

“Ó minha senhora! Está a falar do Teatro Nacional! Que temos nós a ver com o que se passa na televisão? Claro que abrimos, nem nunca se pôs outra hipótese.”

Desfiz-me em desculpas e desliguei. Umas horas depois a Sra.D.Amélia volta a ligar e diz-me apenas: “é só para dizer que fechamos.”

O país parava, as votações eram demoradíssimas (“ e chamamos agora o júri de Viana do Castelo!”, e por aí fora, de norte a sul do país), aquilo nunca mais acabava,  faziam-se apostas familiares, e lá para as tantas se sabia quem tinha ganho.

Nos dias seguintes só se falava nisso.

Era realmente um acontecimento importante—que desembocava no Festival da Eurovisão, em que patrioticamente estávamos sempre, sabendo que nunca iríamos ganhar.

E os jornais tinham dinheiro: lembro-me sempre de um ano em que o Festival da Eurovisão foi em Haia (o nosso concorrente era o José Cid) e o “Diário de Notícias” mandou-me para lá uma semana inteira! E os outros jornais fizeram o mesmo com os seus jornalistas.

(Por acaso tive sorte e apanhei uma “cacha”: toda a gente estava já preparada para que a concorrente alemã ganhasse. E andava pelos corredores um tipo com um ar muito infeliz, com uma t-shirt que dizia “talk to me”. E eu que não tinha nada para fazer, achei graça e entrevistei-o. Ele era o autor de uma das canções, mas não tinha hipótese nenhuma, ele sabia, e por isso andava por ali a ver se ao menos podia meter conversa com alguém.

Bebemos café, rimos muito, ele contou-me a vidinha desde pequenino.

No dia seguinte ganhou o festival.)

Mas os tempos eram outros.

O país era outro.

A televisão era outra.

Nós éramos outros.

Por isso pergunto cá aos meus botões a razão de agora se tentar ressuscitar uma coisa que não tem ressurreição possível.

Há centenas de canais, à mesma hora, a transmitirem coisas bem mais divertidas—e computadores, e smartphones, e apps disto e daquilo para animarem as nossas noites.

Os mais novos não vão em músicas daquelas.

Mas os mais velhos também não.

Ninguém se revê em coisa nenhuma.

As imitações dão sempre muito mau resultado, já se sabe.

Há dias que ando para aqui a trautear aquela canção do Rui Veloso que diz “nunca voltes ao lugar/ onde já foste feliz” …

Deve ser por isso.

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A publicação destas cónicas é uma parceria entre os Retratos Contados e o Jornal de Mafra.

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