“MARIANO DEIDDA E FERNANDO PESSOA”

“MARIANO DEIDDA E FERNANDO PESSOA”

Crónica publicada no Jornal de Mafra

MARIANO DEIDDA E FERNANDO PESSOA

“O nosso troll voltou” — leio num sms que me manda a minha amiga e antiga camarada de jornais (hoje desempregada…) Dina Gusmão.

Começo a rir, esperando que as pessoas na esplanada onde apanho este sol, que parece nunca mais querer ir embora, não olhem para mim desconfiadas, tipo “coitadinha, não deve ser boa da cabeça, para ali está a rir sozinha” …

Para já, há quanto tempo eu não tinha notícias do “nosso troll”.

E depois porque me dá sempre vontade de rir quando ela o trata desta maneira. Como sabemos, o “troll” pertence ao folclore escandinavo, pequenino, magrinho, cara redonda e grande cabeleira…E desde que o conhecemos que o nome pegou entre nós duas.

Acontece que o “nosso troll” (de seu nome Mariano Deidda ) é um grande  músico italiano  e,  certamente,  um dos maiores intérpretes de Fernando Pessoa. Apaixonou-se perdidamente pela sua poesia (“só Pessoa e Pirandello são capazes de ajudar as pessoas a compreenderem toda a humanidade, pois nenhuma pessoa é só uma pessoa”, costuma dizer) e Portugal veio por acréscimo.

Há quinze anos que estuda a poesia de Fernando Pessoa e encontra sons para a cantar.

Desse trabalho já resultou a edição de cinco álbuns—e o seu esforço de divulgação é tão grande que até já conseguiu que o nome de Pessoa fosse dado a um Jardim Infantil na cidade italiana de Chivasso, perto de Turim. (Haverá, em Portugal, algum Jardim Infantil chamado Fernando Pessoa?)

Mariano Deidda conhece bem Lisboa, onde já actuou por diversas vezes (Teatro Nacional, CCB, Casa Fernando Pessoa, etc.)

E recordo-me sempre de uma das suas actuações na Casa Fernando Pessoa, há uns anos. Os responsáveis de então acharam—e bem—que um dia em que o então presidente da Câmara, António Costa, lá ia para assinar um protocolo (não me lembro a respeito de quê, mas certamente importante) poderia ser magnificamente abrilhantado com um recital de Mariano Deidda.

E foi.

Casa a rebentar pelas costuras, um recital magnífico, com vários encores, e toda a gente rendida àquela voz estranha que nos trazia Pessoa em sonoridades italianas. A “Canzone per Lisbona”, “Un bacio solo”, o “Non ho fatto altro che sognare”, ou o “Il poeta è un fingittore” devem ter ficado para sempre na memória de quem ali estava.

A minha amiga Dina então ainda trabalhava nos jornais, e estava ali com o fotógrafo para cobrir o acontecimento.

E estava entusiasmada com tudo aquilo.

Sai a correr no fim do recital para ir escrever a reportagem que sairia no dia seguinte.

E escreveu.

Mas no dia seguinte a única coisa que o  jornal publicou foi uma foto de António Costa com a legenda a informar que o presidente da Câmara tinha ido à Casa Fernando Pessoa assinar um protocolo.

E mais nada.

Não se tinha passado rigorosamente mais nada.

Ao que parece a justificação era de que o resto não interessava a ninguém. (Acho que foi nesse dia que a minha amiga Dina começou a desconfiar que alguma coisa estranha se passava com o jornalismo.  Ou com o que ela até então acreditava que era o jornalismo…)

E a verdade é que o nosso troll está cá.

Não está programado nenhum espectáculo—mas traz consigo um novo disco, o segundo a ter edição portuguesa. Depois de “Deidda interpreta Pessoa” temos agora, já em todas as Fnacs, “Pessoa pela estrada do jazz”.  E é magnífico, acreditem.

Mas, ao que parece, estes são discos muito difíceis de editar.

Se calhar porque, para os responsáveis culturais, isto continua a não interessar a ninguém.

Mas eu tenho a certeza de que se Pessoa o ouvisse, repetiria o célebre slogan que um dia fez para a Coca-Cola: “A princípio estranha-se, e depois entranha-se.”

Sinceramente espero que se entranhe mesmo em todos os que o ouvirem.

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A publicação destas cónicas é uma parceria entre os Retratos Contados e o Jornal de Mafra.

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