“Hora da verdade”

“Diário de uma avó e de um neto…Desconfinados”

sexta-feira 01 de abril 2021

Querida avó,

Hoje começa o 4º mês de do ano.

O mês de abril começa com o Dia das Mentiras que é celebrado anualmente nalguns países do ocidente e na Europa. Em alguns países é chamado o dia das petas ou das gafes, ou ainda dia dos tolos de abril. Em França chama-se “poisson d’Avril”, o peixe de Abril.

Tu, que celebras este ano 60 anos de jornalista, sabes que todos os jornais, telejornais e rádios assinalavam esta data pregando partidas e espalhando boatos. Nos últimos anos as pessoas estão muito sérias e isso já não acontece.

Deixo para ti a história da origem do Dia das Mentiras. Ou a partilha de mentiras como a “Guerra dos Mundos” transmitida em 1938 por Orson Wells. Uma mentira (em outubro) que causou o pânico.

Por falar em estórias, e em mentiras, quem não se lembra do “Pinóquio”, o livro do escritor italiano Carlo Collodi, que conta a estória de um boneco de madeira que sonha ser um menino de verdade. Um boneco a quem lhe cresce o nariz de cada vez que mente.

As saudades que tenho de ir a Itália (a mais pura verdade).

Recordas-te de termos ido ao Teatro Aberto ver as peças Verdade e Mentira, maravilhosamente adaptadas pelo João Lourenço. Duas peças do autor Florian Zeller, em dois espetáculos diferentes, representados pelo mesmo elenco, em que o público era levado a variáveis do que será verdade e do que será mentira – e assim se demonstrava como a arte de representar se pode desdobrar em múltiplos sentidos.

No caminho de regresso a casa, foi grande a reflexão que fizemos sobre as mentiras e verdades com as quais somos confrontados diariamente.

As saudades que tenho de ir ao Teatro (outra pura verdade).

Por falar em verdade e mentira, recordas-te do programa “Momento da Verdade” que passou na SIC há uns anos, apresentado pela Teresa Guilherme? O programa desafiava os participantes a responderem a perguntas relacionadas com a sua vida pessoal, sendo apurada a verdade pelo recurso a um detetor de mentiras. E lá iam as pessoas expor a sua vidinha (e a dos familiares) em praça pública. O cenário era como uma arena, com pessoas que emitiam sons de espanto, e do além surgia uma voz que dizia: “A sua resposta é (longa pausa) Verdade ou Mentira consoante o veredicto da poligrafo. E o público voltava a emitir sons de espanto.

Mais tarde, a TVI teve no programa da Fátima Lopes uma versão barata do “Momento da Verdade”. 

Chamava-se a “Maquina da Verdade” Onde as pessoas eram analisadas (e julgadas publicamente), por um poligrafo e por um espanhol que vinha cá aferir se as pessoas eram infiéis, assuntos relacionados com roubos ou apropriações, assuntos familiares … e outras coisas do género. Umas que queriam provar que não traiam os maridos, outras que não tinham ficado com as heranças de familiares falecidos, outras que queriam provar não ter roubado as casas das patroas onde faziam limpezas …

Como é possível as pessoas exporem-se desta forma? Quando muitas vezes as verdades delas não eram comprovadas, ficavam enxovalhadas em público.

Enfim. Que medo!

Podia estar aqui o dia inteiro mas a minha vida não é (só) isto. (Mais uma verdade)!

Cada vez mais se ouve falar de “Fake news” . A SIC emite semanalmente o “Poligrafo”, a TVI, em parceria com o Observador, emite a “Hora da Verdade”. Ambos dedicados à verificação de factos, assentes na investigação feita pelos jornalistas.

Muitos continuam a dizer que a Terra é plana, que o homem não foi à Lua, e, pasmem-se, até há quem afirme que o Holocausto nunca existiu!

Já para não falar na quantidade de gente que não acredita no corona vírus.

Querida avó, já que estamos a falar de verdade e mentira, não posso ir embora sem falar da Camisola Poveira. Então a Tory Burch mete uma camisola à venda e mente às pessoas, a dizer que é uma criação dela inspirada no México???

Quando desconfinarmos, podíamos dar um salto à Póvoa de Varzim e comprar umas camisolas para vestirmos no próximo inverno.

Agora lembrei-me da Joacine Katar Moreira aos gritos “É mentiraaaa”, e do Trump a dizer que as eleições foram uma farsa…

O que nos leva a mentir? Existem mentiras piedosas? E as meias verdades?

Gosto muito de ti. Tu sabes que é verdade!

Querido neto,

Então hoje andamos nas mentiras???

Quanto à origem desse dia ninguém sabe ao certo.

Há quem diga que vem do séc. XVI, em França, quando o Ano Novo se comemorava no dia 25 de Março e os festejos se prolongavam até ao dia 1 de Abril.

Outros dizem que, devido à adoção do calendário gregoriano, em 1564, o Rei Carlos IX de França determinou que o Ano Novo se festejasse no dia 1 de Janeiro. Mas foram muitos os que resistiram , continuando a seguir o calendário antigo. Esses eram ridicularizados, enviavam-lhes convites para festas que não havia, mandavam-lhes prendas dentro de pequenas caixas…vazias.

Também se conta que, no Brasil, um jornal , chamado “A Mentira”, anunciou a morte do Imperador D. Pedro no dia 1 de Abril—o que foi desmentido no dia seguinte. O jornal teve vida efémera, como se calcula, e esse dia passou a ser chamado o Dia da Mentira.

Deve ter sido alguma coisa assim—mas que já vem de há muito tempo

Lembro-me de ouvir contar velhas mentiras do 1 de Abril, publicadas em diversos jornais estrangeiros, que ficaram famosas até hoje

  1. A queda da cúpula do Capitólio (pena não ter sido com o Trump lá dentro.)
  2. Uma extraordinária plantação de esparguete devido ao tempo quente
  3. Um suplemento de 7 páginas publicado no “Guardian” a falar, com todos os pormenores, de uma pequena república, até então desconhecida, chamada San Serriffen, no Oceano Índico. A corrida de pessoas até esse paraíso foi enorme…Coitadinhas
  4. Thomas Edison tinha acabado de inventar uma máquina de fazer comida: a terra transformava-se em trigo, e a água em vinho (até parecia a Bíblia…)
  5. Várias receitas para cozinhar bem um dinossauro

(E aqui abro um parêntesis: ainda não há muito tempo apareceu no Facebook uma fotografia do Steven Spielberg a cravar uma seta no pescoço de um dinossauro. Acho que não viste isso. Pois não calculas a quantidade de mensagens de pessoas indignadas, a dizerem que o Spielberg devia ser preso por andar a matar animais…).

  • A Bélgica tinha sido dividida em dois países: o do norte, entregue à Holanda; o do sul entregue à França
  • A Senhora Thatcher tinha tido um tórrido romance com Gorbachev, na sua visita à Rússia (com uma série de fotografias com ela a fazer-lhe festinhas no queixo, e ambos a andarem de braço dado  nas ruas das cidades)

Quanto às nossas notícias falsas, são uns anjinhos comparadas com estas…

Havia a que se repetia quase todos os anos: as chaminés do Palácio da Vila, em Sintra, tinham caído. Depois havia muitas relacionadas com o futebol.

Nós, jornalistas, tínhamos sempre de escrever uma notícia no dia 2 de Abril—a divulgar que mentiras tinham saído na véspera em todos os jornais—incluindo aquele em que trabalhávamos.

E houve um ano em que não conseguimos adivinhar a mentira de um determinado jornal. Fui com esse jornal ao meu chefe de redação—e não atinávamos. Porque eram tantas, tantas que podiam ser mentira que não conseguíamos descobrir. Rimos imenso (e ele nem tinha o riso fácil…) e não publicámos nada.

Agora, não há páginas de jornais que cheguem para contar as desgraças deste mundo—e isso, infelizmente, é verdade

Fica bem.

Outros capítulos aqui: “Diário de uma avó e de um neto … Desconfinados”