“Diário de uma avó e de um neto em casa…Confinados”
sábado – 13 de março 2021
Querida avó como estás?
Que bom estes dias com sabor a primavera.
Temos andado com tantas coisas para fazer, que já passaram oito dias e ainda nem falamos do Festival da Canção.
Gostaste da canção vencedora? Pela primeira vez, vamos ter uma canção cantada em inglês, a representar o país onde se fala português.
Não posso dizer que me choca, já vários países o fizeram. Até gosto da canção e do grupo, mas claro que prefiro ver o nosso país ser representado pela nossa língua materna.
Os mais novos não sabem que inicialmente o festival da Canção era designado por Grande Prémio TV da Canção Portuguesa, que começou em 1964 (há 57 anos), com o objetivo de selecionar uma canção para o Festival da Eurovisão. Sendo tu jornalista há 60 anos (praticamente tantos anos como os de festival), deves ter escrito sobre tudo e mais alguma coisa sobre este assunto. Sobre as alterações que foram feitas ao nome, o nome inicial manteve-se até 1975. Em 1976 chamou-se “Uma Canção Para A Europa” e em 1977 foi o ano de “As Sete Canções”. Em 1978 foi adotado o nome “Uma Canção Portuguesa”. A partir de 1979, o nome do certame fixou-se em “Festival RTP da Canção”, nome que matem até hoje.
Ao longo destas particamente 6 décadas, existem curiosidades e mudanças para todos os gostos. Mas vou deixar esse assunto para ti. Avós que se presem contam histórias aos netos. Ninguém melhor do que tu, a melhor contadora de histórias, para falares das curiosidades do Festival tais como: os apresentadores que mais vezes apresentaram o Festival, os cantores que venceram o Festival mais do que uma vez, as roupas, as polémicas, assuntos de bastidores …
Acho curioso, como temos tantas memórias de canções e de vencedores do Festival do século passado, e guardamos poucas memórias dos vencedores mais recentes.
Claro que iremos sempre recordar os The Black Mamba por serem os primeiros a vencerem o Festival com uma canção em inglês, a Elisa que venceu a edição de 2020 com a canção “Medo de Sentir”, (que até gostei muito), e que “teve tanto medo de sentir o Covid-19 que ganhou o Festival mas não foi à Eurovisão, pois este, devido à Pandemia, não se realizou. Não vamos esquecer o Conan Osirís com os seus telemóveis partidos, nem os Homens da Luta … mas não os esquecemos por serem boas canções, ou por causa das polémicas causadas?
Claro que jamais iremos esquecer o Salvador Sobral e a belíssima canção “Amar pelos dois”. Tanto nós, como as gerações futuras, irão recordá-lo por ser o primeiro representante português a vencer a Eurovisão. No entanto, não podemos ser alheios a toda a polémica que existiu em torno do Salvador, desde a participação na primeira eliminatória até ao dia da apoteose em Kiev, na Ucrânia.
De repente veio-me à memória as imagens das milhares de pessoas que se juntarem no Aeroporto Huberto Delgado para receber os irmãos Sobral.
E o que se escreveu? Provavelmente, muitos dos que o criticaram acabaram a escrever coisas maravilhosas sobre o Salvador Sobral.
Mas se fizermos uma comparação com o passado, não podemos ser alheios ao que aconteceu em 1969 quando a Simone chegou a Lisboa. Numa altura em que só havia um canal de televisão, em que não existiam redes sociais, em que a maioria ouviu o Festival através de uma telefonia … foram milhares os que se juntaram na Estação de Santa Apolónia, para a receber vinda de Madrid. Simone ficou em penúltimo lugar na Eurovisão, mas os Portugueses receberam-na como se tivesse conquistado o primeiro prémio.
Já que estou a falar de canções antigas, não esquecemos o António Calvário, com a canção “Oração”, o primeiro vencedor do certame, nem os nomes e canções que lhe seguiram nas edições seguintes. Simone de Oliveira, primeiro com o “Sol de Inverno”, anos mais tarde com a eterna “Desfolhada”, a Madalena Iglésias, o Eduardo Nascimento, o Carlos Mendes, Fernando Tordo e o Paulo Carvalho. São tantos os “inesquecíveis” como a Manuela Bravo e o seu “ Sobe, Sobe, Balão Sobe”, o José Cid, as Doce … Enfim, ficava aqui a tarde inteira a falar do Festival e a minha vida não é só isto.
Não posso ir embora sem recordar a Dulce Pontes, a Adelaide Ferreira, a Lúcia Moniz (que ficou em 6º lugar, o melhor lugar conquistado até à data), a Dina, a Dora, a “nossa” querida Anabela e tantos outros vencedores.
Deixou para ti outras memórias, outras curiosidades e, acima de tudo, não nos podemos esquecer de recordar os autores e compositores, pois sem eles não se faziam grandes canções.
Tenho uma máquina de roupa para estender. No entanto, não posso deixar de partilhar contigo.
Ontem, venho da minha corrida matinal, e encontro a porteira a arranjar as floreiras na entrada do prédio.
Digo-lhe:
Bom dia D. Lurdes como está? Gostou do Festival da Canção? Abriu-me tantos os olhos que até senti medo.
Mesmo de máscara na cara desata a falar. Que é uma vergonha uma canção em inglês, a criticar a roupa da Carolina Deslandes e até acrescentou “O título da canção não podia ser mais apropriado pois foi “Por um triz” que não ganhou. Se ganhasse, e fosse à Eurovisão, iria certamente vestir umas roupas ainda mais pavorosas do que a Dora que calçou umas botas medonhas. Com aquelas botas nenhum homem tinha coragem de ser mau para ela, não fosse levar um chuto.
As saudades que tenho de canções como “Menina do alto da Serra” interpretado pela Tonicha e que venceu o festival em 1971.
Isso sim eram canções. Por falar em Tonicha, faz 75 amos hoje. Mas o menino nem deve saber quem é a Tonicha.”
(Adoro que me tratem por menino. No prédio onde vivo, e onde tu vives, sou dos mais novos. Quando vou ao ginásio sou dos mais velhos…)
Eu continuo calado e ela continua a falar:
“Que será feito dela? Há tanto tempo que não se houve falar nem nas revistas nem na televisão. Tenho que pedir à minha Vanessa para pesquisar na internet. Essas modernices (com as quais não me oriento) dizem tudo da vida das pessoas.”
Nisto pega no balde e desaparece prédio adentro. Eu aproveito para sibir as escadas.
Quando venho do segundo lance de escadas ainda a oiço:
“Ora zumba na caneca
Ora na caneca zumba
O diabo da caneca
Toda a noite catrapumba”
Espero que a D. Lurdes saiba, que este grande êxito imortalizado pela voz da Tonicha em 1980, não faz parte das canções do Festival da Canção.
Mas se não souber, fica a saber, quando pesquisar na Internet com a sua Vanessa.
Agora tenho mesmo que ir. Está um sol lindo. Vou estender a roupa que assim seca num ápice.
Tem um dia feliz.
Que será feito da Tonicha e tantos outros?
Bjs
Querida avó como estás?
Que bom estes dias com sabor a primavera.
Temos andado com tantas coisas para fazer que ainda nem falamos do Festival da Canção.
Gostaste da canção vencedora? Pela primeira vez, vamos ter uma canção cantada em inglês, a representar o país onde se fala português.
Não posso dizer que me choca, já vários países o fizeram. Até gosto da canção e do grupo, mas claro que prefiro ver o nosso país ser representado pela nossa língua materna.
Os mais novos não sabem que inicialmente o festival da Canção era designado por Grande Prémio TV da Canção Portuguesa, que começou em 1964 (há 57 anos), com o objectivo de seleccionar uma canção para o Festival da Eurovisão. Sendo tu jornalista há 60 anos (praticamente tantos anos como os de festival), deves ter escrito sobre tudo e mais alguma coisa sobre este assunto. Sobre as alterações que foram feitas ao nome, o nome inicial manteve-se até 1975. Em 1976 chamou-se “Uma Canção Para A Europa” e em 1977 foi o ano de “As Sete Canções”. Em 1978 foi adoptado o nome “Uma Canção Portuguesa”. A partir de 1979, o nome do certame fixou-se em “Festival RTP da Canção”, nome que matem até hoje.
Ao longo destas particamente 6 décadas, existem curiosidades e mudanças para todos os gostos. Mas vou deixar esse assunto para ti. Avós que se presem contam histórias aos netos. Ninguém melhor do que tu, a melhor contadora de histórias, para falares das curiosidades do Festival tais como: os apresentadores que mais vezes apresentaram o Festival, os cantores que venceram o Festival mais do que uma vez, as roupas, as polémicas, assuntos de bastidores …
Acho curioso, como temos tantas memórias de canções e de vencedores do Festival do século passado, e guardamos poucas memórias dos vencedores mais recentes.
Claro que iremos sempre recordar os The Black Mamba por serem os primeiros a vencerem o Festival com uma canção em inglês, a Elisa que venceu a edição de 2020 com a canção “Medo de Sentir”, (que até gostei muito), e que “teve tanto medo de sentir o Covid-19 que ganhou o Festival mas não foi à Eurovisão, pois este, devido à Pandemia, não se realizou. Não vamos esquecer o Conan Osirís com os seus telemóveis partidos, nem os Homens da Luta … mas não os esquecemos por serem boas canções, ou por causa das polémicas causadas?
Claro que jamais iremos esquecer o Salvador Sobral e a belíssima canção “Amar pelos dois”. Tanto nós, como as gerações futuras, irão recordá-lo por ser o primeiro representante português a vencer a Eurovisão. No entanto, não podemos ser alheios a toda a polémica que existiu em torno do Salvador, desde a participação na primeira eliminatória até ao dia da apoteose em Kiev, na Ucrânia.
De repente veio-me à memória as imagens das milhares de pessoas que se juntarem no Aeroporto Huberto Delgado para receber os irmãos Sobral.
E o que se escreveu? Provavelmente, muitos dos que o criticaram acabaram a escrever coisas maravilhosas sobre o Salvador Sobral.
Mas se fizermos uma comparação com o passado, não podemos ser alheios ao que aconteceu em 1969 quando a Simone chegou a Lisboa. Numa altura em que só havia um canal de televisão, em que não existiam redes sociais, em que a maioria ouviu o Festival através de uma telefonia … foram milhares os que se juntaram na Estação de Santa Apolónia, para a receber vinda de Madrid. Simone ficou em penúltimo lugar na Eurovisão, mas os Portugueses receberam-na como se tivesse conquistado o primeiro prémio.
Já que estou a falar de canções antigas, não esquecemos o António Calvário, com a canção “Oração”, o primeiro vencedor do certame, nem os nomes e canções que lhe seguiram nas edições seguintes. Simone de Oliveira, primeiro com o “Sol de Inverno”, anos mais tarde com a eterna “Desfolhada”, a Madalena Iglésias, o Eduardo Nascimento, o Carlos Mendes, Fernando Tordo e o Paulo Carvalho. São tantos os “inesquecíveis” como a Manuela Bravo e o seu “ Sobe, Sobe, Balão Sobe”, o José Cid, as Doce … Enfim, ficava aqui a tarde inteira a falar do Festival e a minha vida não é só isto.
Não posso ir embora sem recordar a Dulce Pontes, a Adelaide Ferreira, a Lúcia Moniz (que ficou em 6º lugar, o melhor lugar conquistado até à data), a Dina, a Dora, a “nossa” querida Anabela e tantos outros vencedores.
Deixou para ti outras memórias, outras curiosidades e, acima de tudo, não nos podemos esquecer de recordar os autores e compositores, pois sem eles não se faziam grandes canções.
Tenho uma máquina de roupa para estender. No entanto, não posso deixar de partilhar contigo.
Ontem, venho da minha corrida matinal, e encontro a porteira a arranjar as floreiras na entrada do prédio.
Digo-lhe:
Bom dia D. Lurdes como está? Gostou do Festival da Canção? Abriu-me tantos os olhos que até senti medo.
Mesmo de máscara na cara desata a falar. Que é uma vergonha uma canção em inglês, a criticar a roupa da Carolina Deslandes e até acrescentou “O título da canção não podia ser mais apropriado pois foi “Por um triz” que não ganhou. Se ganhasse, e fosse à Eurovisão, iria certamente vestir umas roupas ainda mais pavorosas do que a Dora que calçou umas botas medonhas. Com aquelas botas nenhum homem tinha coragem de ser mau para ela, não fosse levar um chuto.
As saudades que tenho de canções como “Menina do alto da Serra” interpretado pela Tonicha e que venceu o festival em 1971.
Isso sim eram canções. Por falar em Tonicha, faz 75 amos hoje. Mas o menino nem deve saber quem é a Tonicha.
(Adoro que me tratem por menino. No prédio onde vivo, e onde tu vives, sou dos mais novos. Quando vou ao ginásio dos mais velhos.)
Eu continuo calado e ela continua a falar:
“Que será feito dela? Há tanto tempo que não se houve falar nem nas revistas nem na televisão. Tenho que pedir à minha Vanessa para pesquisar na internet. Essas modernices (com as quais não me oriento) dizem tudo da vida das pessoas.”
Nisto pega no balde e desaparece prédio adentro. Eu aproveito para sibir as escadas.
Quando venho do segundo lance de escadas ainda a oiço:
“Ora zumba na caneca
Ora na caneca zumba
O diabo da caneca
Toda a noite catrapumba”
Espero que a D. Lurdes saiba, que este grande êxito imortalizado pela voz da Tonicha em 1980, não faz parte das canções do Festival da Canção.
Mas se não souber, fica a saber, quando pesquisar na Internet com a sua Vanessa.
Agora tenho mesmo que ir. Está um sol lindo. Vou estender a roupa que assim seca num ápice.
Tem um dia feliz.
Que será feito da Tonicha e tantos outros?
Bjs
Querido neto
Tu nem imaginas o que era dantes o Festival da Canção!
Tudo fechava, as pessoas reuniam-se em casa dos amigos e também faziam as suas votações…embora não servissem para nada… Num tempo sem telemóveis, como se votaria de casa? Eram os júris distritais que votavam e, se queres que te diga, parecia-me bem melhor: agora votam os primos, os tios, os namorados, os maridos, os ex-maridos, as vizinhas e fica tudo estragado (viu-se neste último…)
Uma vez o jornal onde trabalhava, na véspera do festival mandou-me ligar para teatros, cinemas, etc, a perguntar se iam fechar . Eu era muito amiga da D.Amélia Rey-Colaço, e ela ficou muito indignada comigo: “Ó Alice, fazer-me uma pergunta dessas? Por que razão iria fechar o Teatro Nacional? Só por a televisão transmitir um festival de cantigas? Claro que não fechamos, que ideia!”
E estava mesmo zangada.
Lá fui para a minha mesa continuar o inquérito quando, algum tempo depois, um colega meu me chama: “olha, recebemos agora na secretaria um telefonema a dizer que o Teatro Nacional também fecha”
Ri-me, claro. Nem tinha tido coragem de ligar para mim…
Mas nesses tempos pré-históricos os jornais tinham muito dinheiro. E mandavam-nos ao Festival da Eurovisão. E disso tenho muitas saudades.
Lembro-me de um ano (em que em Portugal ganhou o José Cid ) em que fui eu e mais alguns jornalistas portugueses. O que nós nos divertimos…O Festival era em Haia, mas nós ficávamos todos num casino que havia numa praia, Scheveningen, durante uma semana inteira! Aí percebi que havia jornalistas de jornais estrangeiros que só faziam aquilo durante todo o ano e sabiam tudo, nomes de quem cantava, de quem não cantava, de quem ia ganhar, de quem ia perder. As delegações organizavam festas, para falarem das suas canções. Foi a primeira (e única ) vez na minha vida que comi rena, na festa dos Noruegueses.
E toda a gente sabia que era a Katja Ebstein, da Alemanha , que ia ganhar. Lembro-me dela, parecia uma rainha a olhar para a plebe, muito distante, era preciso marcar hora para a entrevistar.
Não estive para isso. Andava eu pelos corredores do casino quando encontro um rapaz, loirito, muito triste, que também andava por ali aos gambozinos. Tinha uma t-shirt onde se lia :”Talk to me” (falem comigo).Achei piada e fui com ele para o bar onde ficámos à conversa. Era inglês, concorria com uma canção que não tinha hipóteses nenhumas, nem um só jornalista tinha falado com ele, era como se não existisse. Fiz-lhe uma entrevista, e até lhe paguei um gim tónico, tadinho. Ele ficou muito grato, e lá desandou pelos corredores. Eu aproveitei, escrevi a entrevista e mandei logo para o jornal.
O rapaz loirito chamava-se Johny Logan—e ganhou o Festival.
E o Diário de Notícias publicava uma caxa, pois nenhum jornal o tinha entrevistado. Os meus patrões também me elogiaram muito…
Foi a minha coroa de glória.
Bons tempos.
Outros capítulos aqui: “Diário de uma avó e de um neto em casa Confinados”