“EU CÁ, EM POLÍTICA…”

EU CÁ, EM POLÍTICA…

Crónica publicada no Jornal de Mafra

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EU CÁ, EM POLÍTICA…

 

Estamos quase a terminar este ano.

O que aí vem vai ser – dizem muitos… –  um ano complicado.

Quem vai estar à frente dos nossos destinos vai ter trabalho árduo e difícil, para gerir a crise que se instalou.

E como se chegou aqui é coisa que muitos perguntam e querem saber, mas a que poucos conseguem (ou querem) responder.

Chegou-se aqui por várias razões, nacionais e internacionais (lá vem a palavra “conjuntura”, que sempre se aplica nestas alturas) – mas também porque muitos de nós voltámos as costas, assobiámos para o ar, não era nada connosco.

Aqui há uns tempos lembro-me de ter visto na televisão (e, evidentemente, na net) uma reportagem espantosa: a jornalista inquiria jovens universitários portugueses sobre questões de cultura geral – e as respostas eram de bradar aos céus.  Quem escreveu os “Maias” (“é pá… não me vem o nome, morreu há pouco tempo…”), quem é o autor da “Mona Lisa”, “qual a capital dos EUA” (‘’???…Califórnia?…”), “qual a fórmula química da água”, “quem pintou o teto da Capela Sixtina”, “que instrumento toca Maria João Pires”,” quem escreveu “O Evangelho Segundo Jesus Cristo” (“não sou católico…”) – e por aí fora, e os disparates eram de assustar qualquer um.

Claro que houve logo quem dissesse que a culpa era da jornalista, evidentemente, (os jornalistas são sempre os maus da fita…) que se tivesse ido perguntar a outros certamente teria outras respostas, porque aquilo não reflectia o conhecimento dos jovens portugueses, porque diante das câmaras era normalíssimo terem uma “branca”, etc,etc,etc…

Não entro nessas discussões e, se hoje aqui trouxe este assunto, não foi tanto pela ignorância manifestada mas antes pelo contentamento exibido! A malta não sabe, mas a malta é porreira, pá, e para que é que essas coisas servem, não me dirão?

E ainda mais assustador era a frase que fatalmente se seguia a qualquer pergunta de ordem política (“quem é o Presidente da Comissão Europeia?”, “Como se chama a chanceler alemã”, “em que ano foi o 25 de Abril”, etc ) Invariavelmente a resposta era:

“Eu em política não me meto”.

Como se isso fosse um motivo de grande orgulho. Assim como se dissessem “eu não me drogo”.

Acontece que muita gente ainda confunde “fazer política” com “fazer política partidária”. Esta última fará (ou não) quem quiser (ou não).

Mas “fazer política” todos fazemos, desde que acordamos até que adormecemos. Até mesmo quando dizem “eu em política não me meto” estão a fazer política.

Em tempos passados, antes de 1974, quando era proibido falar da guerra colonial,  o Padre António Morão, do Fundão, foi chamado às altas instâncias acusado de, nas suas homilias, estar “a falar da guerra e portanto a fazer política”.

Ao que ele respondeu apenas: “e se eu calasse, não estava a fazer política também?”

Quando as coisas não nos tocam directamente, é sempre muito fácil fazer de conta que não é nada connosco, “eu em política não me meto”. Mas a verdade é que é sempre connosco.

Por isso, neste tempo complicado de crises, atentados, ataques terroristas e o mais que vai por esse mundo desvairado, e em que é sempre bom reflectir sobre o ano que está a findar e esperar melhores tempos para o que vai entrar dentro de dias – resolvi trazer aqui as palavras sábias de Martin Niemoller, um símbolo da resistência ao nazismo na Alemanha:

 

“Primeiro vieram buscar os judeus, e eu não me incomodei porque não era judeu.

Depois levaram os comunistas e eu também não me importei pois não era comunista.

Levaram os liberais e também encolhi os ombros: nunca fui liberal.

Em seguida os católicos – mas eu era protestante.

Quando me vieram buscar a mim, já não havia ninguém para me defender.”

 

O poeta Maiakovski tem uma versão um pouco semelhante:

 

“Na primeira noite eles aproximam-se e colhem uma flor do nosso jardim.

E não dizemos nada.

Na segunda noite, já não se escondem, pisam as flores, matam o nosso cão.

E não dizemos nada.

Até que um dia, o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa,

Rouba-nos a lua e, conhecendo o nosso medo,

Arranca-nos a voz da garganta.

E porque não dissemos nada, já nada podemos dizer.”

 

 

Seria bom que as pessoas meditassem um pouco neles.

Para que, da próxima vez que uma jornalista lhes aponte um microfone, todos pensem duas (três, cem, mil) vezes antes de responderem “eu em política não me meto”.

Com o ar de quem se orgulha muito da asneira que diz.

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A publicação destas cónicas é uma parceria entre os Retratos Contados e o Jornal de Mafra.

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