Emigração leva avós a não acompanharem crescimento da neta.

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Retratos Contados da Alexandra, que sofre pelo relacionamento entre a sua filha e os seus pais apenas ser feito à distância.

Nem sei por onde começar, mas sei que já sinto um turbilhão de emoções e as lágrimas já rolam pela cara abaixo.

 

Considero-me uma privilegiada, pois tive a sorte de ter os meus avós – os maternos, pois os paternos sempre foram mais distantes – presentes na minha vida. A minha filha, infelizmente, não tem essa sorte.

 

Corria o ano de 2000 quando a sociedade que o meu pai tinha com o meu avô e tios chegou ao fim. Começara, então, a trabalhar por conta própria como armazenista/revendedor de calçado. Horas e horas de trabalho…longas viagens…caixotes às costas…noites mal dormidas…muita despesa, mas pouca receita, pois alguns clientes pagavam mal. Passou 12 anos nesta vida, até que surgiu a ideia de abrir uma sapataria. Seria um negócio no mesmo ramo (calçado) e conseguia estar mais presente na vida familiar, pois a minha mãe tem Lúpus e carece de alguns cuidados especiais.

 

Nasceu, assim, em 2012, a primeira Sapataria dos meus pais.

Fomos tão felizes ali! Tinha tanto orgulho em ver os meus pais a trabalharem juntos e a senti-los felizes por estarem um ao lado do outro! Além disso, sentia o alívio por os pagamentos estarem todos em dia e as dívidas antigas a alguns fornecedores estarem saldadas.

 

O negócio prosperou e abriram mais duas sapatarias. Mal sabíamos nós, que…bem já chego aí.

 

A receita no Natal de 2010 foi brutal, pois o volume de trabalho foi absolutamente louco!

2011 não foi tão bom, mas deu para as despesas.

2012 apertou, pois deram-se cortes orçamentais, cortes nas reformas, as pessoas não tinham poder de compra e a bola de neve começou a aumentar. Se baixa a receita e o poder de compra, há que apostar em artigo mais barato. É bom para nós – porque investimos menos – e bom para o cliente, que pagará menos também. Mas a qualidade não era tão boa e as lojas dos chineses ali perto apetrechavam-se de artigos baratos, quase “dados”.

 

Fevereiro de 2013 fecha a primeira loja. 4 rendas atrasadas. Verão péssimo. Natal catastrófico com dias a faturarem-se 12€. As contas começam a acumular…

Fevereiro de 2014 fecha a segunda loja. Em Abril fecha a última loja.

 

“E agora? Os meus pais vão viver de quê?” – Pensava eu.

“O que vai acontecer? Os meus pais nunca passaram por isto…é uma desgraça!”

 

Muito chorei. Muito muito muito. Muitas vezes em silêncio para não preocupar o meu marido. Uma das vezes a minha mãe viu-me chorar e ficou muito aflita: “filha não te enerves assim, pode-te secar o leite.” – Disse ela. (tinha sido mãe há um mês).

 

Em Maio o meu pai aceitou uma proposta para trabalhar em França. Dia 3 lá foi de armas e bagagens, ao som do nosso choro. Antes de sair agarrou-se à minha filha com as lágrimas nos olhos e disse “o avô ama-te muito! Nunca te esqueças!”

 

De Maio até Novembro, a minha filha conviveu diariamente com a minha mãe, que nunca saiu da nossa beira. Tinham uma cumplicidade fora do normal. A forma como se olhavam, como sorriam uma para a outra, como comunicavam…

 

A ausência e as saudades do meu pai estavam a deixar a minha mãe doente. Por muito amor que nos tivesse, nada conseguia suprir a falta que o meu pai lhe fazia. Eles amam-se muito, sempre se amaram! São uma loucura um pelo outro, mesmo após 30 anos de casamento! Por isso, dia 6 de Novembro a minha mãe emigrou e o meu sofrimento aumentou ainda mais. Chorei dias a fio… Uma dor atroz! Uma confusão enorme, uma sensação de abandono e solidão inexplicável! Um sentimento de injustiça por saber que a minha filha passaria a deixar de conviver com os avós maternos e por imaginar a dor dos meus pais pela privação desse mesmo convívio com a tão desejada neta.

 

O Skype foi ajudando. Muito, de facto! Matam-se saudades; trocam-se fofocas e mimos; permite que os avós vejam a evolução da neta! Criei brincadeiras para aumentar a interação entre a minha filha e eles, via skype. Têm resultado na perfeição, só é preciso imaginação e muito querer.

 

Se há coisa que me conforta é saber que a minha filha (re)conhece os avós maternos. “Maria João, a avó? E o avó?”. E, prontamente, aqueles bracinhos rechonchudos erguem-se e o dedo em riste aponta para eles, quando estamos juntos online. Brinca, atira-lhes beijinhos, “dá-lhes” brinquedos, espalha-lhes o creme na cara (sendo que na realidade borra o ecrã todo, eheheheh…), dá-lhes comida, estende-lhes os bracinhos a pedir colo…

 

Este ano os meus pais não vêm a Portugal. Não podem. Se vierem não são remunerados e isso, neste momento é impensável. Por isso, a música do Dino Meira que diz “Meu querido mês de Agosto, por ti levo o ano inteiro a sonhar…” não faz sentido no caso deles, infelizmente.

 

Mas em Setembro vamos nós lá. Uma semana inteirinha! Não vejo a hora, pois a última vez que os abracei foi em Março. As fotos que vos mostro são desses 4 dias maravilhosos, sendo um deles o dia do meu 31º aniversário. Vão poder abraçar a neta; beijá-la; cheirá-la – e ela cheira sempre tão bem; ouvi-la pedir banana (“a-ná-na”); chamar “ma-mã”; rirem-se com as suas birrinhas infantis; vê-la caminhar. Ali, ao vivo, sem ser através da frieza autista e cruel de um ecrã de computador.

 

Não sei quando os avós da minha filha regressarão.

10-15 anos, talvez? Terão nessa altura 70 anos!

Arrepio-me…

Pode ser que Deus não se esqueça de nós, tenha pena de mim por sofrer tanto com a ausência dos meus pais na minha/nossa vida e os ajude a resolver a vida e, consequentemente a encurtar o tempo de emigração.

 

Mas, até isso acontecer, farei questão de dizer todos os dias à minha filha, o quão orgulhosa deve estar dos avós. Não baixaram os braços e começaram do zero aos 57 anos, sozinhos, num país diferente.

 

Alexandra Pinto Lopes