“EM QUE TERRA ESTAMOS?”
Crónica publicada no Jornal de Mafra
EM QUE TERRA ESTAMOS?
Eu sei que Lisboa tem trânsito caótico, obras por toda a parte, buracos e algum lixo. Mas ,até agora, era o único lugar onde me apetecia viver.
O Bairro Alto foi o meu primeiro lugar de trabalho, no tempo em que as ruas cheiravam à tinta dos jornais, os jornalistas abancavam à hora do almoço na “Rina”, e eu namorava com o meu marido na “Pastelaria Orion”. Por isso a Baixa foi sempre a minha pátria.
Claro que os tempos mudam, as pessoas mudam, as coisas mudam– mas a Baixa continuava a ser a minha pátria: nada melhor que um café na esplanada da Brasileira, um passeio pelos livros da Bertrand ou da Portugal, um lavar de olhos no miradouro de Santa Catarina, e uma entrada na “Vida Portuguesa” onde me abastecia periodicamente de Pasta Couto, Creme Benamor, Cadernos Emílio Braga e – em épocas natalícias – de figuras do presépio de barro que, com o tempo, se partiam.
Às vezes entrava no “Ramiro Leão” para matar saudades do elevador… E quando ia com os meus netos (no tempo em que ainda não tinham 1,90m e não faziam a vida pelo estrangeiro…) –acabávamos sempre no Nicola, com o Diogo a rir porque “avó, lá vamos nós almoçar com o Bocage, à nossa espera há mais de 200 anos…”
Como se costuma dizer, Lisboa era a minha praça. A minha terra.
Por várias razões, estive algum tempo sem ir à Baixa.
Fui agora.
E neste momento confesso que tenho alguma dificuldade em sentir que estou na minha terra.
Todas as lojas têm nomes estrangeiros.
A gente desce da Rua da Misericórdia até ao Rossio e aquilo é só “eat and drink”, “food”, “hostal of the poets” , “coffee and friends”, “clothes for humans”, “come and run with us”, “don’t let your shoes own you”, “shop now”, “ new prices”—e por aí fora. (Fiz figura de parva, porque não parava de tirar fotografias…)
As lojas antigas foram fechando e dando lugar a lojas de cadeias americanas, suecas, e o diabo a quatro.
Acho que a minha cara de espanto diante da antiga Livraria Portugal –agora transformada numa loja da Ale-hop com uma enorme vaca à porta—foi de tal ordem, que uma das funcionárias veio lá de dentro e disse-me:
–Mantivemos lá ao fundo a velha escada de madeira que dava para o primeiro andar. Se quiser ver…
Como se me pedisse desculpa nem ela sabia ao certo de quê.
Que estas coisas se fizessem lá para os bairros novos, as torres e essas coisas—vá que não vá. Mas devia haver uma lei que impedisse que as zonas antigas de Lisboa se transformassem nesta parolice de piscar o olho ao turista. Porque pelos chamados bairros populares a coisa não está melhor—aí com a invasão dos hostals, e hostels e essas coisas (as saudades que eu tenho daquelas tabuletas a anunciar “Pensão com águas correntes” …)
Já não bastava terem transformado o nosso “pão-por-Deus” dos Santos em “Halloween”; já não bastava inundarem o comércio de ursinhos e corações no dia de S. Valentim (tendo nós um Santo António que, em termos de acasalamentos, pede meças a qualquer santo estrangeiro)—agora destronaram a língua portuguesa em favor de uma palermice qualquer que nem os próprios turistas devem apreciar.
Fizeram isto há muitos anos no Algarve e viu-se o estado em que ele ficou.
Pelos vistos não aprenderam nada.
A publicação destas cónicas é uma parceria entre os Retratos Contados e o Jornal de Mafra.
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