“Diário de uma avó e de um neto em casa Confinados”
sábado, 13 de fevereiro de 2021 – Dia Mundial da Rádio
Querida avó,
A primeira coisa que faço diariamente quando acordo é ligar a rádio.
Muitas vezes ainda nem tenho os olhos bem abertos. Mas sempre gostei de ligar a rádio mal acordo. Ajuda-me a dar ritmo ao início do dia, e ao mesmo tempo mantem-me informado.
Começo a ouvir: “Mais não sei quantos que morreram com o vírus, …mais umas centenas de infetados…, mais umas semanas de confinamento… atrasos nas vacinas”
Todos os dias mais do mesmo.
Eu sei que temos que estar informados. No entanto, penso que, ao fim de um ano , está tudo saturado. As pessoas ouvem as notícias mas esquecem o que ouvem logo a seguir.
Já ia desligar o radio quando oiço: “Hoje, 13 de fevereiro, Dia Mundial da Rádio”.
Aqui está uma coisa que me deixa feliz ouvir! Quando era pequeno ouvia-se mais rádio do que se via televisão. A emissão da televisão era muito mais reduzida, muitas terras nem sequer luz eléctrica tinham… Como tal, a rádio era a companhia da maioria das pessoas, independentemente dos trabalhos e das habilitações que tinham.
Desde criança que sou apaixonado pela rádio. Adorava ter uma colecção de rádios, daqueles antigos, lidíssimos. Há pessoas que têm uns quantos que os guardam religiosamente pois são autênticas peças de museu.
Ainda me rio quando me recordo de histórias que os meus avós me contavam. Segundo eles, quando os pais iam lá a casa, ficavam a olhar para trás da rádio, na esperança de encontrarem escondidos, os homens e as mulheres que davam voz ao som que saia pelas colunas.
Tão diferente de hoje, que através da internet conseguimos ver as emissões em direto. Acabamos por ver os locutores de rádio (animadores como agora são chamados), na restante comunicação social. Ainda bem que os locutores passaram a animadores. Com esta pandemia, “o que faz falta é animar a malta”.
A minha mãe recorda muitas vezes os serões passados em família, a ouvir rádio, e a imaginar como seriam aquelas pessoas. Se seriam altas ou baixas, magras ou gordas, se teriam problemas como todos nós … Eram pessoas com vozes bonitas, sempre bem colocadas. Imaginavam os homens e as mulheres muito bem vestidos, com muita etiqueta e uma educação irrepreensível.
O meu avô sempre gostou de futebol. No entanto, não tenho ideia de alguma vez ter ido ver um jogo a um estádio de futebol da primeira divisão. Então, em dias de jogo, passava horas com um rádio a pilhas colado ao ouvido, e aos gritos com o rádio. Uma coisa tenho que admitir, apesar de não ligar nada ao futebol, verdade seja dita que ouvir um relato na rádio é muito mais emocionante do que ver um jogo na televisão. É fascinante ouvir o relato e imaginar os jogadores a correrem atrás da bola, tudo comentado num ritmo frenético que deixa a pessoa quase à beira de uma apoplexia, até ouvir Golooooooooo. Na televisão estamos a ver, mas a emoção não é a mesma. A alegria do avô era indiscritível.
Outra recordação que tenho, é ver o avô agarrado à telefonia a ouvir Fados. O avô Alberto adorava ouvir a Hermínia Silva, o Alfredo Marceneiro, a Lucília do Carmo, e tantos outros. E o que ele gostava de ouvir as ”irmãs Rodrigues” como ele as chamava! Quem diria que um dia viria a conhecer uma dessas irmãs Rodrigues.
Nada impedia a avó Clementina de ouvir o terço na Rádio Renascença, ao fim do dia. Nessa altura a casa tinha que estar em silêncio absoluto. Claro que sendo a Renascença uma rádio católica, ainda hoje mantem essa tradição. Mas penso que com muitos menos ouvintes do que naquela época.
Gosto de ouvir programas diferentes. Umas vezes ligo na TSF, outras na Antena 1, gosto muito de ouvir as Três da Manhã, na Renascença. Recentemente a Carla Rocha saiu, mas ainda assim continuo a gostar imenso de ouvir o programa. O que me rio com aquela Joana Marques e o seu “Extremamente Desagradável”
Gosto muito de saltitar entre a Radio Cidade a RFM e a Comercial. Morro a rir a ouvir o Vasco Palmeirim, o Markl, e a restante equipa, a recordarem lugares comuns da nossa infância. Mas não estou sempre a ouvir a mesma rádio. Outros dias gosto de ouvir a M80 e recordar as músicas que ouvia na minha juventude.
Sou grato à TSF por todas as vezes que deu voz às iniciativas Retratos Contados. Bem como à saudosa Rádio Sim, (do Grupo Renascença) que tantas vezes nos recebeu. E que bom que é, que cada vez que vamos à Renascença, encontrarmos o Aurélio Carlos Moreira. Sempre com tantas histórias para partilhar. Serei eternamente grato ao Germano Campos, por todas as vezes que nos recebeu no seu programa.
Quando era pequeno, gostava muito de ouvir o programa “Quando o telefone toca”. Recordo-me de não perder diariamente os “Os parodiantes de Lisboa”, que ouvia religiosamente nas longas férias de verão. São tantos os programas que marcaram aquela geração.
Estamos habituados a ver os animadores de Rádio esgotarem estádios para realizarem alguns programas ao vivo. São vistos no mundo inteiro através da internet.
No entanto, não podemos esquecer que houve uma altura em que não havia internet, nem redes sociais, nem telemóveis, e em que só existiam dois canais de televisão, e a maior parte das pessoas não tinha sequer telefone fixo.
Nas décadas 80/90, a Olga Cardoso e o António Sala esgotavam estádios. Tinham um programa chamado “Despertar”, que diariamente abria as emissões da manhã da Rádio Renascença. Chegou a haver emissões em direto na Áustria, em Espanha, Macau, na Expo’98 e, pasmem-se, até a bordo de aviões, barcos ou submarinos.
Também o Júlio Isidro chegou a esgotar o estádio de Alvalade para emissões ao vivo do programa “Febre de Sábado de Manhã” O programa marcou uma era na rádio portuguesa: no dia em que a febre saía à rua o país parava.
São tantas as memórias que tenho da Rádio, que havemos voltar ao assunto.
Fica desde já combinado, quando terminar o confinamento, vamos visitar o Museu da Rádio e recordar outras histórias.
Tem um dia feliz avó.
Querido neto
Como tu sabes e estás farto de ver, ando sempre agarrada ao meu rádio e portanto não ia ouvir nem mais nem menos rádio neste dia.
Eu sei que até podia ouvir pelo telemóvel, mas ainda não me ajeito com essas modernices… Um rádio no quarto, um rádio na cozinha, um rádio na casa de banho, um rádio na sala—onde estou agora e que—só por curiosidade—está sintonizado na Rádio Renascença e a transmitir o “Dia de Folga”, da Ana Moura. Desde que o António Macedo saiu da Antena 1, tenho os meus rádios sempre sintonizados na Renascença, embora também passe por outras Rádios, claro está.
A rádio sempre fez parte da minha vida.
Lembro-me de, no princípio dos anos sessenta, em plena ditadura, eu e o meu tio estarmos com um pequeno rádio ao colo, um pano por cima de nós (na ilusão de que abafaria o som que, evidentemente, tínhamos sempre no mínimo). Lembro-me muito bem: três vezes por semana lá estávamos nós, com a minha tia a fazer uma grande barulheira para que os vizinhos não ouvissem, orelhas coladas à Rádio Argel. Quando, anos depois fui para Paris, soube que o Manuel Alegre tinha lá trabalhado.
Quando não era a Rádio Argel, era a Rádio Portugal Livre, a emitir desde Bucareste, e dirigida pelo Partido Comunista.
Assim íamos sabendo coisas que, nem os nossos jornais nem a nossa rádio podiam divulgar.
Claro que, pelo meio disso, havia os nossos programas habituais.
Lembro-me de ser miúda e gostar muito de ouvir o Teatro Radiofónico. Nunca me hei-de esquecer da voz da Carmen Dolores a gritar “Euriiiiiico! Euriiiiiico! “, quando fazia de Hermengarda do “Eurico, o Presbítero”, de Alexandre Herculano. Aquela voz metia-me tanto, tanto medo que corria a enfiar-me na cama, apavorada. Outro que também conseguia isso era o Gentil Marques, quando anunciava “ Leeeeeendas da Nossa Teeeeeerra”.Que medo,que horror.
E depois havia os folhetins. Essa era a especialidade da minha tia, sobretudo os que eram escritos pela Manuela Reis. A Manuela Reis fazia tudo, absolutamente tudo: escrevia, lia—fazendo uma voz diferente para cada personagem—e até os ruídos de fundo: coisas a cair, o vento lá fora, os passos de alguém que estava a chegar…
E depois outro folhetim que fez história:”A Força do Destino”, transmitida nos anos 50. Pela primeira vez, creio eu, houve o patrocínio de um detergente—o Tide. A história era uma desgraça pegada. Um homem casado com uma mulher muito má, e que gostava de outra, muito boazinha e coxa. Não tardou a ser conhecido como “A Coxinha do Tide.”
Era transmitido depois do almoço, para se fazer bem a digestão, e as mulheres não largavam o rádio. E levavam aquilo tão a sério que eu lembro-me de uma vez se contar que um grupo de ouvintes fez uma espera à porta da rádio para dar uma sova à actriz que fazia de mulher má.
Depois ainda houve o “Simplesmente Maria” e muitas mais—mas não posso ficar aqui eternamente a falar das rádio novelas.
Vamos a coisas mais importantes: também foi pela rádio que ouvimos as primeiras notícias da revolução do 25 de Abril de 1974. Aquelas primeiras horas…Nós ainda sem acreditarmos, com receio que fosse um golpe de direita, falava-se no Kaúlza…
Mas felizmente não foi, e viemos todos para a rua e a nossa vida felizmente nunca mais foi a mesma.
Já falaste das Rádios que gostamos, dos apresentados, dos programas … assin sendo hoje fico por aqui. Não faltarão ocasiões em que me apeteça voltar a falar da rádio.
Tenho que falar da minha participação na NTR, Rádio On Line (modernices).
Estou aqui a pensar … que o “Diário de uma avó e de um neto em casa Confinados” poderá dar uma belo programa de rádio.
Já té ligo.
Agora quero ouvir o “Turno da Tarde” na Renascença. Acho muito graça à Sónia Santos e ao Daniel Leitão.
Fica bem.
Outros capítulos aqui: “Diário de uma avó e de um neto em casa Confinados”