“Santo António”

“Diário de uma avó e de um neto”

Domingo, 13 de junho 2021

Querida avó,

Há coisas que me atormentam há anos!

Conto com a tua clarividência para me ajudares a resolver este dilema.

“Santo António já se acabou.

O São Pedro está-se a acabar

São João, São João”…

Não percebo, como é que São Pedro está-se a acabar se o São Pedro celebra-se a 29 e o São João a 24?

Outra coisa que me atormenta, a mim e a todos os que gostam de celebrar o St. António, é que pelo segundo ano consecutivo não há comemorações para ninguém! A não ser que seja de forma ilegal.

Mais um ano sem Marchas, sem Casamentos, sem Arraiais. Nada!

Tudo começa em Lisboa. Numa casa no bairro da Sé onde o menino, que viria a ser Santo, veio ao mundo.

A devoção popular colocou-o entre os santos mais amados. Muitos atribuem-lhe muitos milagres e graças.

A fama do Santo António vai além-fronteiras.

A origem de toda essa superstição parte de algumas lendas populares. Uma delas conta que uma rapariga queria casar, mas não tinha dote para oferecer à família do noivo.

Desesperada para obter o dote, ajoelhou aos pés de uma imagem de St. António e suplicou pelo dito dote com muita fé. Pouco tempo depois, surgiram aos seus olhos moedas de ouro que lhe permitiram ter o dote para casar.  

Santo António morreu aos 36 anos precisamente no dia 13 de junho.

Há uns anos fui visitar o belíssimo Museu de São Roque, em Lisboa.

Nessa visita, para além de outras coisas, falaram-me das “Relíquias de Santo António”, e de todos os sinos da cidade de Pádua terem começado a tocar precisamente à hora da sua morte, mesmo este não se encontrando em Pádua.

Muitos desconhecem que o padroeiro de Lisboa é São Vicente e julgam que é Santo António.

O que não podemos ignorar, é que o outro António (Costa) não quer nem um só fogareiro na rua.

O melhor é as pessoas terem juízo e não contribuírem para o agravamento da situação.

Se não fosse teres feito do teu terraço uma marquise, bem que podíamos fazer um belo arraial nesse espaço.

Viva o Santo António.

Bjs

Quando chega o mês de Junho, o meu amigo Alberto conta sempre a mesma história.

Eu já não a posso ouvir, a Teresa (filha dele) muito menos– mas lá temos de fazer de conta que a ouvimos pela primeira vez e que a achamos de rir  às lágrimas

Tem a ver com o nascimento da Teresa, que só era esperada em Julho, mas foi sempre uma miúda muito apressada.

 Quando chegou a noite de Santo António, o Alberto  ainda tentou levar a mulher mas ela desculpou-se,”estás parvo? com esta barriga ?”

Mas disse-lhe que fosse ele.

A Teresa está sempre a dizer que a mãe devia ter pensado que ele ia responder  “ó querida, nem penses, fico aqui contigo, de mãozinhas dadas a ver televisão”—mas homem é homem, que é que se há-de fazer.

 E lá foi ele para os arraias, com a recomendação da mulher de lhe trazer depois um manjerico com quadra apropriada.

Minutos depois de ele ter saído, marchava a mulher para as urgências, queixando-se de umas estranhas dores nas costas.

A enfermeira riu-se:

–São estranhas, são! É a sua criança que vem aí!

Horas depois entrava o Alberto nas urgências, esbaforido e de manjerico na mão, perguntando pela mulher, que ainda tinha tido tempo de lhe deixar um bilhete em cima da mesa da cozinha: “vou ao hospital, não demoro.”

Mas ninguém lhe sabia dar notícias, aquela tinha sido uma noite agitada.

Até que alguém lhe diz que ela está na sala de partos porque a criança se adiantara, mas ninguém lhe diz mais nada e

ele anda para trás e para a frente, de manjerico na mão, a perguntar a toda a gente, até a uma empregada de limpeza, que o afasta com maus modos, “ó homem deixe-me mas é limpar a porcaria que um bêbado fez  ali à frente         !”

O Alberto não sabe o que fazer, ele que se preparara para ser um  pai exemplar, até tinha a máquina de filmar pronta para o grande dia, e agora nada, ali apanhado desprevenido, sem notícias.

Enfia a cabeça pelo guichet das informações a torna a pedir notícias, mas entretanto a enfermeira mudara e ele tem de dar outra vez todos os dados, e a enfermeira quer saber a que horas é que a doente entrou, e o meu pai diz que não sabe, que só quando chegou a casa é que…

E a enfermeira rosna “estou a ver…a mulher em casa a trabalhar, e ele na farra!”.

 O Alberto tenta defender-se, diz que não é bem assim, que a mulher estava grávida e que…

E a enfermeira dá então uma grande gargalhada, “ a mulher a ter a criança e ele na rambóia!, meu Deus, os homens são todos iguais!”

O Alberto calou-se, cansado, cheio de calor, e acabou por se deixar cair numa cadeira e esperar.

Esperou horas.

Por aquela urgência já tinham passado cinco cabeças partidas, três costelas deslocadas, um pescoço com uma naifada, uma voz rouca que berrava “agarrem-me senão eu mato-a!”, amparada por outra que contrapunha” não ligues que são tudo intrigas da tua sogra!”

O parto da Teresa foi demorado: ela trazia o cordão umbilical à volta do pescoço, e teve de levar oxigénio.

Horas depois chegava o médico:

— Parabéns, tem ali uma bela rapariga,  que…

Mas o médico não disse mais nada: colarinho desapertado, descalço, e manjerico na mão, o Alberto dormia o sono dos justos.   

Temos que esperar mais um ano para realizarmos uma grande farra de Santo António (e não só).

Bjs e boa semana

Outros capítulos aqui: “Diário de uma avó e de um neto.”