“Dia da Mãe”

Testemunho de Alice Vieira para o Diário de Notícias sobre o Dia da Mãe

Desculpem lá, mas para mim o Dia da Mãe é a 8 de Dezembro e não há nada a fazer. Estas coisas que a Europa nos impõe…Agora não tem dia certo, e temos de assinalar na agenda para não nos esquecermos. Já o Dia do Pai continua, imóvel, a 19 de Março, dia de São José; e o dos Avós a 26 de Julho, dia de Sta. Ana e S. Joaquim, pais de Nossa Senhora, avós de Jesus Cristo.. O dia da mãe, coitado, é que foi por aí abaixo.

Antes de mais, o Dia da Mãe, para mim está sempre muito ligado aos meus tempos de liceu. Eu bem me esforço por varrê-lo da memória, mas não consigo.

Para aí um mês antes do dia 8 de Dezembro nós todas, nas aulas de Lavores, começávamos a trabalhar que nem umas doidas. A Mocidade Portuguesa queria fazer de nós fadas do lar, e queria que também pensássemos sempre muito nos pobrezinhos. Então cosíamos desesperadamente, bordávamos como se não houvesse amanhã, e fazíamos fraldas e fraldas que nunca mais acabavam. Porque o Dia da Mãe era também o Dia dos Berços. Fazia-se uma grande exposição dos nossos trabalhos e depois eles eram oferecidos às pobrezinhas que o liceu protegia.

Alice Vieira na maternidade

E as professoras de lavores repetiam sempre muito que tudo tinha de ser feito em material muito resistente “porque era para pobrezinhos e tinha de durar a vida inteira”.

Lembro-me de ver nesse dia uma série de mulheres a desfilarem pelo nosso ginásio, transformado em sala de exposições, de olhos no chão e uma senha na mão, para receberem “a esmola das mãos das nossas meninas caridosas.”

Claro que o 25 de Abril acabou com isso tudo – mas não conseguiu acabar com isso na minha memória.

Mas pronto, falemos de outros tempos.

Antes de mais devo aqui deixar dito aquilo em que sempre acreditei : os pais não são os melhores amigos dos filhos. Os pais são os pais, os amigos são os amigos – e os nossos filhos precisam muito deles.

Mas devo confessar que nunca fui uma mãe muito convencional (nem uma avó, diga-se…), e há dias até tremi quando uma amiga minha me dizia , com certo orgulho na voz, que o neto já andava num psicólogo, para “prevenir uma eventual rejeição da escola”…Cá em casa nós dizíamos-lhes “olha, vais para a escola, vais brincar com os outro meninos, vais gostar muito…” e eles lá iam. Mas qual psicólogo.

Quando a minha filha nasceu, eu não tinha ninguém a quem a deixar. Então enfiava-a na alcofa, e levava-a comigo para o Diário de Lisboa, largava-a na tipografia (o padrinho dela era o Amadeu Ramires, chefe da tipografia) e pedia-lhe “fica-me com ela que eu vou trabalhar”. Ela deve ter apanhado tanto cheiro do chumbo – que hoje é jornalista…

Nunca me lembro de ter “educado” os meus filhos. Eles viviam connosco, participavam da nossa vida, participavam das nossas conversas e – sempre que podia – levava-os comigo quando ia fazer algumas entrevistas. Foi assim que eles conheceram a Amélia Rey Colaço, o Alfredo Kraus, o actor brasileiro José Wilker, a Beatriz Costa (que sempre lhes escreveu a dar os parabéns, e quando o meu filho casou lhe mandou uma colcha lindíssima…), etc… Às vezes penso : se fosse hoje, onde é que os jornais me deixavam fazer isso… Adiante.

Também sempre lhes dei muita liberdade. O meu filho foi jogador de xadrez desde muito pequenino, e ia com a Federação a muitos torneios fora de Lisboa. A única coisa que eu lhe pedia – onde é que ainda vinham os telemóveis… – era que me escrevesse um postal de cada lugar onde estivesse. O que ele cumpria religiosamente. Trago sempre na minha carteira um postal que me escreveu de Coimbra, tinha ele 7 anos. Dizia : “Mãe, não tenho nada para dizer. André.”

E a nossa casa era um lugar muito divertido. Para que não sujassem as paredes, decidi que numa parede do quarto do meu filho -e só nessa – eles pudessem escrever o que quisessem, fazer desenhos, chamar nomes às pessoas, tudo. Foi a parede mais bonita da minha casa…e o que eu chorei quando a limpei, no dia em que foram para a universidade.

E pregada numa das portas estava um cesto de basket, para eles poderem praticar.

E a mesa da casa de jantar estava transformada em mesa de ping-pong.

E no corredor jogava-se futebol.

Quando eles faziam anos, era um sarilho para que os amigos se fossem embora. Lembro-me de uma que ficou em nossa casa três dias – até que o pai a teve de puxar por um braço para a levar para casa.

É claro que hoje as crianças têm outro tipo de distracções – mas às vezes penso que estas maluqueiras lhes fariam ainda muito bem.

Muito mais sobre a vida e a obra aqui: Alice Vieira.