“Dia da Alice”

“Diário de uma avó e de um neto”

Domingo, 04 de julho 2021

Querida avó como está?

Como correu o aniversário do teu filho?

Espero que não tenha sido umas grandes comemorações. Não que a criatura não mereça, mas as coisas, como tu bem sabes, não estão para brincadeiras.

Uma coisa que, entre tantas, me aflige, se o André e a Catarina são teus filhos, e eu “sou teu neto” o que eu lhes sou??

Então hoje celebra-se o “Dia da Alice”?

“As Aventuras de Alice no País das Maravilhas”, frequentemente abreviado para “Alice no País das Maravilhas” é a obra infantil mais conhecida de Charles Lutwidge Dodgson, publicada precisamente a 4 de julho de 1865 sob o pseudônimo de Lewis Carroll. Já lá vão 156 anos.

De uma forma muito reduzida, o livro (que está traduzido em imensas línguas e com centenas de edições) conta a história de uma menina chamada Alice que cai numa toca de coelho que a transporta para um lugar fantástico povoado por criaturas peculiares, revelando uma lógica do absurdo, característica dos sonhos. Este está repleto de alusões satíricas dirigidas tanto aos amigos como aos inimigos de Carroll, de paródias a poemas populares infantis ingleses ensinados no século XIX. É uma obra de difícil interpretação pois contém dois livros num só texto: um para crianças e outro para adultos.

O teu nome está relacionado com esta história? Sei que fazes coleção do livro, eu mesmo já te ofereci vários exemplares. Sei que, tal como a Alice do livro, também tu comemoras os “desaniversários”.

Qual o teu personagem preferido? Eu gosto imenso do “Gato Risonho” e do “Chapeleiro Louco”.

“Não é que eu goste de complicar as coisas, elas é que gostam de ser complicadas comigo”. Uma das frases do livro que tem tudo a ver comigo.

Há uns anos vi a peça “Alice do Outro Lado do Espelho” produzida pela Byfurcação. Adorei! Entravamos no conceito do teatro imersivo, fazendo parte da história. Seguíamos as personagens, entrando nas suas vidas e até nos seus pensamentos. O local não podia ser mais macabro (Pavilhão 30 do antigo Hospital Júlio de Matos).

Bem tenho que ir pois a minha vida não é só isto e tenho muita coisa para fazer.

No entanto, deixo-te com mais uma frase do livro Você não deve viver a vida como outras pessoas esperam que você viva!”

Tão verdade… Devia servir de lição para muitos!

Feliz Dia da Alice.

Bjs

Querido neto,

O almoço de anos do meu filho correu muito bem e com toda as precauções: só 5 pessoas, e rápido, porque ao fim de semana os restaurantes fecham às 3 horas. Gostei muito de os ver a todos, claro, mas sobretudo o meu neto Pedro, que já não via há meses. Está a acabar os exames de Engenharia Aero-Espacial, que lhe têm corrido bem—e depois passa para o 4º ano. Meu Deus, como eles crescem tão depressa…

Mas vamos lá ao que interessa: o aniversário da minha homónima. Sim, foi com ela que aprendi a festejar aniversários e desaniversários—e já passei isso às minhas amigas.

A “Alice” é um livro dificílimo de traduzir. Por isso eu detesto as edições de meia dúzia de páginas da Disney, que dão cabo de tudo. Infelizmente são aquelas que os nossos miúdos (e graúdos…) mais lêem…  Daí que eu tenha uma grande colecção de “Alices”, de editoras diferentes e em várias línguas, para ver as soluções que foram encontradas—porque há muitas palavras inventadas.

A menina em quem Lewis Carrol se inspirou chamava-se Alice Liddell. Entre as muitas ocupações que Carroll tinha—poeta, escritor, deão da  Catedral, professor, matemático, etc … a fotografia era uma das que ele mais gostava. Antes de pensar em escrever a “Alice no País das Maravilhas”, ele fotografou Alice Liddell de todas as maneiras e feitios. Tempos mais tarde até viria a ser acusado de pedofilia—o que veio a verificar-se ser mentira, e o seu envolvimento com as jovens ter sido sempre platónico.

Mas gostava de passear de barco com as suas jovens amigas. Conta-se que, num desses passeios, Alice Liddell lhe terá pedido “conte uma história que nos faça rir”.

E assim teve origem a “Alice no País das Maravilhas”.

Tempos depois de ter ouvido aquela história, Alice Liddell insistiu com ele para que ele a escrevesse, porque seria uma pena ninguém mais a conhecer.

Ele fechou-se durante uns tempos em casa—e no Natal de 1864, tinha Alice Liddell 12 anos, ofereceu-lhe o manuscrito como prenda.

Alice Liddell viveu até aos 80 anos. Por ser figura pública muitos escritores e jornalistas escreveram a sua biografia. O  que a irritava imenso, dizendo que tinha muito mais vida depois da “Alice”. Todos registam o facto de ela afirmar nunca ter sido grande amiga de Lewis Carrol, e de ser muito antipática quando lhe falavam nisso.

Quando ficou viúva e com dificuldades financeiras, vendeu o seu manuscrito de 1864—tendo recebido então cerca de 15 mil libras. Felizmente, depois de sucessivas vendas, hoje o manuscrito encontra-se na Biblioteca Britânica.

Perguntas-me qual a minha personagem preferida? Depois da Alice, o Chapeleiro Maluco, sempre a correr e  a chegar atrasado a lado nenhum. “Rir durante o dia faz com que se durma melhor à noite”, repetia ele muitas vezes—conselho que, como sabes, eu sempre cumpri religiosamente. E também digo muitas vezes outra frase do Chapeleiro: “se tivesse um mundo só meu, nada seria o que é, porque tudo seria o que não é”.

E só para terminar, que hoje o dia está cheio de sol e quero ir dar uma volta, uma das grandes admiradoras de Lewis Carroll era a Rainha Vitória. Entusiasmada com a leitura da ”Alice no País das Maravilhas” e “Do Outro Lado do Espelho”, escreveu-lhe uma carta, elogiando muito esses seus dois livros, pedindo que lhe enviasse todas as suas obras. E no Palácio de Buckingham foi entregue um enorme caixote…com todos os seus tratados de Matemática….

Fica bem.

Cuidado com o bicho.

Boa semana. Bjs

Alice Liddell

Outros capítulos aqui: “Diário de uma avó e de um neto.”

Entrevista a Alice Vieira e Nelson Mateus.