“Dia 14 de Fevereiro”

“Diário de uma avó e de um neto em casa Confinados”

domingo, 14 de fevereiro de 2021 – Dia dos namorados

Querida avó,

Hoje celebra-se o Dia dos Namorados. Em muitos países chamado de Dia de São Valentim.

Nunca liguei a este dia em particular! Gosto de comemorar o dia em que eu comecei a namorar. Esse sim, é um dia especial para mim! Agora um dia em que todos comemoram… não me diz nada.

É ver os restaurantes, ridiculamente decorados com corações e cupidos, encherem-se de casais enamorados para celebrar este dia tão especial.

A maior parte dos casais apaixonados, não sabe, que segundo a lenda São Valentim foi um bispo que lutou contra as ordens do imperador Cláudio II, que havia proibido o casamento durante as guerras, acreditando que os solteiros eram melhores combatentes.

Valentim, continuou celebrando casamentos, apesar da proibição do imperador. O bispo foi preso e condenado à morte. Na prisão, Valentim apaixonou-se pela filha cega de um carcereiro e, milagrosamente, devolveu-lhe a visão. Antes da execução, Valentim escreveu uma mensagem de adeus para a sua amada, na qual assinava como “Seu Namorado” ou “De seu Valentim”.

E assim nasce o Dia dos Namorados!

Um dia ótimo para a alavancar a economia! É ver os homens, ao fim do dia, desesperados à porta das floristas ou de lojas de chocolates. Livrai-os de chegarem ao jantar romântico de mãos a abanar! A amada, mesmo que esteja a fazer dieta, não goste dos chocolates ou das flores, recebe o presente com um grande sorriso, pois ele, naquele dia, passou o dia a pensar nela.

Mas se existe coisa que arrasa comigo, é olhar para as montras daquelas lojas que estão repletas de peluches, almofadas, aventais, molduras … Tudo com muitos corações e mensagens apaixonadas!

Se alguém me oferecesse um urso daqueles enormes (que não cabe em lado nenhum), a pessoa, e o urso, iam à vida deles mais depressa do que tinham vindo!

Era menino para terminar um relacionamento no Dia dos Namorados!

Foto Sandra Ventura

Querido neto,

Tenho a certeza absoluta de que o meu Dia dos Namorados não tem nada a ver com o teu. E já vais perceber.

Sempre detestei o Dia dos Namorados. Por uma questão de patriotismo. Para que precisávamos nós de um Santo estrangeiro, se tínhamos cá um, melhor entre os melhores?

Para quê recorrer a São Valentim, quando tínhamos o nosso Santo António?

Claro que é tudo uma questão comercial: no dia 14 de Fevereiro, e durante essa semana toda…, as lojas enchem-se de ursinhos de peluche com coraçõezinhos a dizer “Happy Valentine” ou, na melhor da hipóteses, “Feliz Dia dos Namorados” ou qualquer palermice no género. E as pessoas compram, e o comércio faz dinheiro, e pronto…

Este ano como irá ser? Para mais, calhando o Dia dos Namorados a um domingo, era ver os casais com filhos e despachá-los para casa dos avós, para irem para Hotéis passar o fim de semana em que todos estão apaixonados.

Será que as lojas de chocolates estão abertas e podem vender ao postigo?  Como os casais não os vão comer à porta, não existe perigo de ajuntamentos.

Para felicidade de muitos, principalmente dos donos das lojas, as floristas estão abertas. Mas não podem ir a floristas fora dos Concelhos de residência!

Se alguém for abordado pelas autoridades, por prevaricar o dever ao confinamento, pode sempre alegar que anda na rua para comprar bens essências. Querem bem mais essencial, do que aqueles que se compram para a nossa cara metade?

Como os casais não podem ir comemorar o dia da paixão para os restaurantes, vai ser um dia de muito trabalho para todos os que fazem entregas ao domicílio. 

No dia seguinte tudo voltará ao normal. Embora, nesta fase que estamos a viver, já não saibamos muito bem o que é a normalidade.

O importante é manter a chama da paixão acesa ao longo do ano, e não só neste dia.

E não se esqueçam, o nosso Santo Casamenteiro é o Santo António!

Devo dizer que não tenho nada contra o santo. Contra os namorados ainda tenho menos, acho até que se deve namorar todos os dias, sem necessidade de patrono celestial

Quem tem um santo como o nosso Santo António, capaz de colar pés decepados, falar aos peixes, e livrar o pai da forca—já para não falar das bilhas consertadas e da resposta masculina e pronta a jovens donzelas encalhadas—que necessidade tem de importar um estranho, a respeito do qual apenas se sabe que foi preso, açoitado e decapitado

Se querem encontrar um dia para festejar os namorados, óptimo. Mas então que se escolha o 13 de Junho, com sardinhas assadas, fogueiras, cravos de papel, alcachofras e manjericos

Porque a verdade é que no dia 14 de fevereiro, juntamente com o S. Valentim, importa-se a papinha toda feita, modelos únicos para todos os países, a globalização no seu melhor.

Os meus dois homens também detestavam o Dia de S.Valentim.

Mas no dia 14 de Fevereiro levavam-me sempre a jantar fora, champanhe, à nossa!

E as pessoas diziam “pois é, dizem mal mas depois fazem a mesma coisa…”

E nós ríamos, e engolíamos mais champanhe.

Porque o que as pessoas não sabiam é que, no dia 14 de Fevereiro nós não festejávamos S. Valentim. Nesse dia eu tinha sido operada a um cancro da mama, e o médico tinha-me dado 2 a 3 anos de vida. Por isso o que nós sempre festejávamos era mais um ano de vida que eu tinha conseguido (e já lá vão 32)

Por isso ainda hoje, apesar de eles já não estarem comigo, no dia 14 de Fevereiro vou jantar fora, e beber champanhe, e erguer a minha taça, “à nossa!”. Onde quer que eles estejam, tenho a certeza de que também estão a brindar comigo.

Outros capítulos aqui: “Diário de uma avó e de um neto em casa Confinados”