Confinamento – 2ª temporada

“Diário de uma avó e de um neto em casa Confinados”

sábado 16 de janeiro 2021 – Confinamento segunda temporada

Querida avó,

Estava-se mesmo a ver que íamos novamente para Confinamento…

O meu Natal foi completamente diferente dos anteriores. Só duas pessoas na noite de consoada. Três pessoas no almoço no dia 25 e acabou-se.

O teu também foi completamente diferente dos anos anteriores.

Grande parte das pessoas não fez isso! Com um fim de semana de 4 dias, e depois de tantos com limites de circulação entre concelhos, poucos foram os que se preocuparam com a Pandemia. Uns porque estão saturados, outros porque acham que a coisa não lhes bate à porta… Então vai de aproveitar os 4 dias para almoçar com uns, jantar com outros, conviver bastante … e o resultado é o que nós sabemos.

Já para não falar na passagem de ano. Aí já não se podia viajar entre concelhos e havia recolher obrigatório. Porém, foram tantos os que, impedidos de receber o novo ano nas ruas ou em restaurantes, o fizeram em casa, onde receberam imensas pessoas. Era ver as varandas repletas de gente a bater panelas e a ver os poucos fogos de artifício que existiram.

O bicho andou felicíssimo com tantas festas e celebrações. Tantas possibilidades de contaminação. Foi o Euromilhões da Covid 19.

Por muito que, ao longo dos últimos meses, se fale tanto em etiqueta de higiene e obrigações, para nos protegermos e proteger os outros, é ver a quantidade de gente que se recusa a usar máscara, ou que a usa de forma errada. É ver as pessoas (sem dificuldade de equilibro) agarradas aos corrimões das escadas rolantes. É ver elevadores cheios (de pessoas sem dificuldade de locomoção) …

Desde o dia 15 voltamos ao Confinamento! Veremos por quanto tempo…

Iremos voltar a ver pessoas que saem para o seu passeio higiénico, para irem ao banco, para irem aos correios, para irem ao supermercado, para ir passear o cão e, pasmem-se, desta vez até podemos sair para praticar atos religiosos. Com isto há pessoas que vão passar o dia na rua, porque encontram desculpas para tudo que lhes permita sair de casa.

Não me parece que voltem os aplausos à janela, nem sei se as pessoas vão voltar a fazer pão e comprar papel higiénico como se não houvesse amanhã.

O nosso trabalho já costuma ser em casa, mas uma coisa é estarmos em casa porque queremos, outra é por sermos obrigados!

Avó, temos muito para fazer durante este segundo Confinamento!

Mas agora vou ver o filme “Do Cabaret para o Convento”, pois a cultura alimenta-me mais a alma do que a religião!

Como é possível as Igrejas não estarem fechadas?

Beijos

Querido neto,

Lembro-me sempre do nosso primeiro confinamento, em Março.

Um melro, de grande bico amarelo, parou à beira da minha janela.

Eu nem sabia que na minha rua havia melros.

Acabou por voar para outros sítios, e eu abri a janela, para sentir na pele o calor da manhã. O vizinho do prédio em frente também abriu a janela, e sorrimos e acenámos um ao outro. Eu nem sabia que aquele andar tinha gente.

Ligaram-me amigos que eu não ouvia há anos, e eu liguei para amigos que eu nem sabia se ainda estariam vivos, porque ninguém tinha tempo de telefonar aos amigos.

Liguei para amigos que vivem em Itália, em Inglaterra e em Espanha, e era como se vivessem aqui ao lado.

Li uma data de livros amontoados a um canto, para quando tivesse tempo. Comecei a ler um deles e saltou-me a dedicatória: “lembra-te de mim” Nunca mais tinha voltado a pegar neste livro mas então li-o até ao fim e o amigo já morreu, e eu acho que nunca tive tempo de lhe dizer como gostava dele.

De repente desatei a escrever cartas e a receber cartas, num tempo em que se dizia que já ninguém sabia sequer o que era uma carta.

De repente comecei a seguir a missa na Capela do Rato aos domingos, pela net, quando inventava sempre pretextos para ficar a dormir porque estava muito cansada ou tinha muito trabalho a despachar.

De repente, tudo o que era distante aproximou-se de nós. Estamos sozinhos em casa e nunca estivemos tão acompanhados.

E agora, porque nos portámos mal e não soubemos respeitar as ordens, voltamos novamente ao confinamento.

E com tudo isto percebemos agora que ninguém está só neste mundo. Que dependemos dos outros, como os outros dependem de nós. E que nenhum homem é uma ilha, como há centenas de anos John Donne descobriu.

É um tempo difícil, claro. Muito difícil. Porque voltamos a estar isolados e a não poder beijar nem abraçar ninguém.

Mas as dificuldades também servem para nos pôr à prova. E para nos dar novos prazeres.

Mas tudo depende daquilo que fizermos e inventarmos para fazer nestes tempos de isolamento. Não serve de nada lastimar-nos, não se vai a lado nenhum. Como diz um provérbio chinês, de que eu gosto muito, “se tem solução, por que te queixas? Se não tem solução, por que te queixas?”

Confinados, isolados, vamos mas é arregaçar as mangas e puxar pela nossa criatividade.

Temos tanto para fazer!

Bjs e protege-te!

Outros capítulos aqui: “Diário de uma avó e de um neto em casa Confinados”