Nesta 1º parte da entrevista ficamos a saber que a Carla Andrino (e a família) veio de Moçambique sem nada

Existem anos que ficam para sempre gravados na nossa memória!

Para os Retratos Contados, 2015 é um ano que será para sempre recordado pelo ano do nascimento deste projecto.

 

Para a querida Carla Andrino e para o maestro Mário Rui, existem várias datas que os têm marcado ao longo da vida … mas 2015, será um ano que jamais irão esquecer! Este ano a Carla e o Rui, tornaram-se avós por 2 vezes no espaço de 4 meses.

 

Os Retratos Contados tiveram o privilégio de estar à conversa com a Carla Andrino e a Marta Andrino a dias desta se tornar mãe pela primeira vez.

 

Nesta 1º parte da entrevista ficamos a saber que a Carla Andrino (e a família) veio de Moçambique sem nada, e que só tem memorias de vida a partir dos 8 anos. Ficamos ainda a saber que todos os avós da Marta Andrino são muito activos e que a avó materna adora ouvir fados até de madrugada …

 

Tudo isto e muito mais é que temos para partilhar convosco nos próximos dias.

 

Estejam atentos e partilhem com todos os Retratos Contados desta fantástica família.

[dt_small_photos height=”280″ padding=”0″ arrows=”light” show_title=”” show_excerpt=”” number=”30″ loop=”” orderby=”recent” category=”marta-carla”]

Retratos contados (RC): Carla, conheceste algum dos teus bisavôs?

 

Carla Andrino (CA): Não, não conheci nenhum dos bisavôs, nem nenhum dos avós porque quando nasci a minha mãe e o meu pai já não tinham os pais. A Martinha e o Martim é que foram uns sortudos, e ainda são.

 

Marta Andrino (MA): Eu tenho os quatro avós e ainda conheci dois bisavôs. Conheci os pais da minha avó paterna, mais ou menos até aos meus dois anos.

 

RC: Como é que são os teus avós?

 

MA: Os meus avós são incríveis! Hoje rondam entre o fim dos setenta e o início dos oitenta anos de vida! São os quatro muito autónomos, sempre foram. Conduzem, viajam, trabalharam até tarde e têm, todos, muita energia. Inclusivé uns têm e-mail e outros têm facebook, e ligam-me a dizer: “eu quero ir a um site pesquisar isto…”. Portanto quiseram, e conseguiram, acompanhar a evolução dos tempos. Têm netos a rondar os vinte e os trinta anos e, por isso, acho que lhes dá muita força para continuarem a querer estar interessados. Porque chega uma altura, quando se reformam, que a vida abala ali um bocadinho. Mas todos nós, como netos, estivemos sempre presentes e é maravilhoso, primeiro, porque nos acompanham e depois por exemplo, quando sai uma reportagem ou eu estou a fazer um espectáculo são os primeiros a quererem estar presentes, e isso é muito bom. O relacionamento com os meus avós tem sido muito importante para a minha vida, e agora, nesta fase em que lhes posso ainda dar um bisneto, não tem explicação.

 

RC: Então essa educação, por assim dizer, que vocês estão a transmitir aos vossos avós (incentivar o uso da internet …), são eles que querem aprender ou são vocês que…

 

MA: São eles, parte deles! Partiu sempre deles comprarem um telemóvel mais evoluído, quererem perceber o que era a internet. E nós sentávamo-nos horas e explicávamos “se puseres isto pesquisas isto, encontras aquilo, crias um e-mail”. No início ligavam-me a dizer “mandei-te um e-mail…!” Agora já perceberam que aquilo apita, que não é preciso telefonarem a avisar, ou que a dada altura eu vou conectar-me e estar a par do que me enviaram. Mas ficam inquietas se não respondo: “então mas não viste, mas não queres saber?”. E partilhamos fotografias, por exemplo, tiramos uma fotografia num aniversário com a máquina fotográfica e já me sabem enviar por e-mail, portanto, isto é tudo muito engraçado de se ver e de se viver.

 

CA: E se pensarmos que a mais nova é a minha mãe, faz agora 75, o meu pai tem 78, a outra avó tem 81 e o outro avô 83, e todos partilham e todos conduzem e todos são activos. A minha sogra está na faculdade, a minha mãe já esteve na Universidade Sénior, fazem hidroginástica, Tai Chi… Sim, mas esta pergunta é pertinente porque podíamos ser…

 

MA: …nós a incentivar. Mas não! A minha avó paterna ainda o ano passado, aos 80, disse ao meu pai “Tenho umas amigas que estão a aprender cavaquinho!”. O meu pai pegou, foi comprar um cavaquinho e ofereceu-lhe no Natal. Em Janeiro, ela inscreveu-se, está a aprender a tocar e diz que no próximo Natal já nos canta e toca. Claro que também foi iniciativa do meu pai comprar-lhe o instrumento, mas se a minha avó não tem falado nós não imaginávamos que aos 80 anos lhe apetecesse tocar cavaquinho. Já faz tanta coisa…

 

CA: E ensaia todos os dias um bocadinho!

 

RC: Aquilo que tu és juntamente com o Mário e os teus filhos, e agora os teus netos, acaba também por ser um pouco o reflexo daquilo que os vossos pais têm sido, porque toda esta herança genética não é fácil de se encontrar. O que a Marta está a dizer dos avós não é fácil encontrar!

 

MA: Nem tenho noção! De facto, dos quatro, bastaria haver um que não fosse tão activo, mas é que são os quatro! Poderia ter um avô que fosse mais sedentário, mais queixoso, porque há uns que se entregam à velhice, à doença, à falta de energia… E são de famílias diferentes, é o meu lado paterno e materno. Muitas vezes chegam a um ponto da vida que já não lhes apetece continuar a viver, mas neste caso são os quatro independentes.

 

CA: Os pais do Mário gostam muito de ir passar uns dias ao Algarve, e o meu sogro já não lhe apetece fazer estas viagens grandes a conduzir. Ainda há pouco ligou-me a dizer que se meteram-se os dois na camioneta e que tinham ido para o Algarve. Estamos a falar de 81 e 83 anos! Não há muita gente que o faça, e não é preciso ter 60, 70 ou 80. Para isso é preciso ter uma disponibilidade de cabeça. Quer dizer, o Algarve não é aqui ao lado. A minha mãe, ainda hoje, se mete no carro, sozinha, e faz viagens para uma feira que vai haver em Viana do Castelo, por exemplo.

 

MA: Se for preciso, a minha avó materna liga-me às onze e meia, meia-noite, às vezes até já estou a dormir, e diz-me “Estou a chegar a uma casa de fados mas isto agora é até às duas da manhã”! A minha avó adora fados e vai até não sei aonde…

 

RC: E tu achas isso tudo o máximo?

 

CA: Eu acho o máximo

 

MA: Para mim, também, isto é o normal! Não os vejo de outra forma!

 

RC: Mas depois há muitos filhos, ou netos, que “prendem” os pais em casa com a preocupação! “Não vás á rua porque podes cair, podes ser assaltado …”. Sejam os teus pais, ou os teus netos, as pessoas não estão dentro de uma redoma as coisas quando tiverem de acontecer acontecem, não é? Tem que haver uma orientação têm que haver regras, uma forma de estar, bom senso, mas não é por protegermos demasiado as pessoas que elas vão durar mais anos! Se calhar, até pode acontecer o contrário, porque depois não têm vida … e as crianças a mesma coisa.

 

MA: É uma incógnita sim. Mas isto é deles, faz parte da personalidade deles, daquilo que eles viveram, trabalharam… Nós só louvamos e nunca os aprisionámos nesse sentido. Não os conheço de outra maneira e também nunca senti necessidade de os proteger mais porque, até hoje, felizmente também não aconteceram esses pequenos acidentes, se calhar acontecendo salvaguardaria mais o cuidado deles. Embora percebam que estão a perder as suas capacidades e, muitas vezes, lidam com alguma frustração… Mas eles próprios têm feito essa gestão.

 

CA: O meu maior medo é não ter medo! Provavelmente porque fui educada a não ter medo… Bem, há muita gente que foi educada a não ter medo e ganha medos…

 

RC: Nesta fase plena de felicidade em que a Marta se encontra, como é que tem sido as avós a dar conselhos?

 

MA: Não, nem a minha mãe, que passou a ser avó, nem as avós, que passaram a ser bisavós, se excederam nos conselhos. Lá está, como quiseram acompanhar a evolução dos tempos, sabem que o que faziam há cinquenta anos não é igual ao que se faz hoje em dia. Podem dizer: “olha no meu tempo fazia-se assim” mas eu depois digo: “pois, mas actualmente já se segue outra linha”, e elas aceitam. Mas não aconselham. Perguntam se eu ando a ser bem seguida, se me sinto bem… sobretudo querem é saber do meu bem-estar. A postura delas não é tanto os conselhos mas a curiosidade de saber como é que hoje em dia se passam estes nove meses de gravidez.

 

RC: Nasceste onde, Carla?

 

CA: Em Moçambique, Lourenço Marques!

 

RC: E lembras-te de Lourenço Marques? Tens algumas memórias, cheiros, imagens que te tenham ficado?

 

CA: Não, não me lembro de nada! Vim de lá em 74 e pouco ou nada me lembro. Calculo que tenha sido demasiado traumático portanto… A memória tem estas coisas, selecciona!

 

RC: Fazem parte daquelas famílias que ficaram sem nada?

 

CA: Sim ficámos sem nada, mas trouxemos a força e a capacidade de olhar para as adversidades como desafios! Portanto, viemos prontos para lutar e para construir uma vida nova! No meu caso, nem era uma vida nova, era uma vida, uma vez que não me lembro de ter uma vida antes de vir para Portugal. É como se a minha vida começasse aqui! Sendo que fantasio que se voltasse a Lourenço Marques, quando aterrasse, haveria de ter qualquer flashback que me iria reportar a momentos! É uma das viagens que gostaria de fazer porque nunca lá voltei.

 

RC: Que idade tinhas quando vieste?

 

CA: Oito. Há uma particularidade que gostava de salientar, nós eramos refugiados e não retornados. Retornado é alguém que retorna a um local onde já esteve, mas nós não! Nós e os meus pais nascemos lá e quando houve a guerra viemos todos para cá.

 

RC: Como é que eram tratados pelas outras crianças?

 

CA: A única coisa que me lembro, e que me surpreendia, eram as crianças ficarem muito admiradas de eu não ser preta. África era sinónimo de raça negra!

 

RC: Existem pessoas que vieram para Portugal em situações idênticas, que se recordam de na altura sentirem-se bastante mal tratadas, porque os pais dos outros meninos diziam para eles não brincarem com eles porque vinham da terra dos pretos…

 

CA: Eu não senti isso! Eu não senti nada disso, mas os miúdos diziam: “onde é que nascestes?”, “Lourenço Marques.”, “Onde é que é isso?”, “Em África? Mas tu não és preta!”. Por isso achavam que eu estava a brincar, que não era de África porque se eu fosse de África tinha que ser preta. Digo preta porque tenho muitos amigos pretos e eles não gostam que se diga negros! Nós somos brancos, eles são pretos, como há chineses, ciganos, somos pessoas. Portanto eu não senti isso, achava era curioso, mas depois percebi.

 

RC: No teu caso, tu não conheceste os teus avós não te posso perguntar que valores é que os teus avós te passaram! Mas, percebes pelos valores que a tua mãe te passou se vieram da parte dos pais dela? Ou seja, se esses valores lhe foram transmitidos ou se foram valores que ela própria foi construindo?

 

CA: Do que a mãe conta foi muito até da mãe porque o pai da minha mãe morreu quando ela tinha 5 anos e portanto a minha mãe tinha uma ligação muito forte com a mãe dela, com a minha avó. E foi de facto uma referência para a minha mãe e ainda é hoje! Fala muitas vezes da mãe dela. Todos os anos se lembra do dia do seu aniversário e de quando ela morreu…

 

RC: Está sempre presente?

 

CA: Está, sempre presente! “A minha mãe se fosse viva diria isto, faria aquilo” … Percebe-se, perfeitamente, que foi uma referência! A minha mãe diz que foi uma dor muito forte, porque o pai morreu quando ela tinha 5 anos e ficou a viver com a mãe, que morre quando a ela tinha 19. Portanto, ficou sem pais muito cedo!

 

RC: Se essas situações nos dias de hoje já não são fáceis de enfrentar há uns anos atrás seriam bastante piores?

 

CA: Não sei, porque uma perda é sempre uma perda! Não sei se seria pior hoje em dia. Porque havia outros contextos mais protectores, redes de apoio. Agora há as redes sociais, mas a rede social é o quê?! Um facebook! É uma rede social agora não sei se é protetora.

 

RC: Se calhar não é! O conceito de família era muito mais unido.

 

CA: Muito mais, a minha mãe tinha 7 irmãs, o conceito de família era muito grande, muito intenso, as pessoas conversavam, falavam, viviam juntas, havia toda uma partilha. Não sei se era mais difícil, cada pessoa é uma pessoa, cada contexto é um contexto, mas não me parece que aquele contexto tenha sido pior do que este. Pelo contrário, em certas coisas parece-me que até pode ter havido mais uma rede, verdadeiramente, de apoio, mais do que esta suposta rede social onde se tem 3000/5000, amigos…

 

RC: Sim, faz-se pela quantidade e não pela qualidade, não é?

 

CA: Mas o que é que são 5000 amigos? A maior parte nem sabe que pessoas é que adicionam como amigos… Tenho muita dificuldade em me identificar com as redes sociais!

 

MA: Eu só uso a nível profissional. Sinto que é uma maneira mais próxima de as pessoas me conhecerem, não só através de uma personagem ou de uma lente que nos capta. Sobretudo nesta fase da maternidade todos querem saber mais e eu assim tenho a possibilidade de partilhar aquilo que me faz sentido e não coisas que possam facilmente ser boatos! Penso que as pessoas cada vez mais querem saber de nós e prefiro que seja através de mim, que seja eu a partilhar, do que de outra forma. Os amigos (não virtuais) se quiserem telefonem ou mandem mensagem, aliás acho que fui das últimas amigas a ter facebook, não sou “agarrada”, não sou nada “agarrada” ao telemóvel.

 

RC: Somos do tempo em que não havia telemóvel e as pessoas encontravam-se e comunicavam na mesma. O facebook hoje pode ser um meio muito bom para divulgar os Retratos Contados, muito bom para dar a conhecer as vossas carreiras, partilhar a vossa felicidade … porque as pessoas gostam de saber essas coisas… Mas depois, há muitas pessoas que deixam de ter vida própria, só para ficar a ver o que é que os outros fazem, só para criticar onde é que os outros vão, com quem estão …

 

MA: Mas isso é uma postura! Tal como aqueles grupos de pessoas que se juntam, mas depois cada um está a olhar para o seu telemóvel… Pelo menos o meu grupo de amigos esforça-se quando estamos todos juntos para não nos agarrarmos ao telemóvel porque é inevitável porque há uma mensagem, há um telefonema, há um e-mail e aquilo tudo apita, tudo é razão para que o telefone apite. Mas eu penso que isso é uma filosofia, de cada um, não condeno quem o faz, eu não me identifico e não o faço, quem o faz é uma opção. Rouba muito tempo e acho que se perdem muitas coisas. Mas não é só o facebook, por exemplo, eu estou em casa e passo um dia inteiro sem ligar a televisão. Telemóvel então se estiver a um canto é lá que fica. A minha mãe, então agora que estou na fase final da gravidez, diz-me “Tu não atendes!”. Mas eu muitas vezes nem sei onde é que está, ou ficou na mala ou deixei no carro.

 

RC: E tu ficas preocupada?

 

CA: Agora, nesta fase final fico, fico preocupada.

 

MA: Mas isto não só com as redes sociais, que a internet surgiu agora com mais força. Eu em casa não ligo a televisão, não ligo, não fico a ver anúncios, não fico naquela coisa de estar a fazer barulho ou ruído. Ou tenho música ou estou no meu silêncio. Mas isso fez tudo parte da maneira como eu fui crescendo e fui utilizando a tecnologia e nunca me fez sentido além do que utilizo.

 

CA: Mas tu foste criada assim! Eu digo isto e as pessoas ficam escandalizadas, mas os meus filhos nunca tiveram…

 

MA: As consolas, não tivemos consolas.

 

CA: Os meus filhos não tiveram nada disso! Se queriam brincar íamos jogar às cartas, a minha filha era óptima a inventar jogos. Depois, mais crescidos, e só depois de jantar e de fazermos as tarefas da casa, utilizávamos a televisão para vermos um filme, não era para ficar agarrados a queimar tempo, para estar a fazer companhia ou só a fazer barulho. Não, isso não.

 

RC: Este último espectáculo que fizeste, no Tivoli, já estavas grávida!

 

MA: Sim, estava de mês e pouco quando fui a casting.

 

CA: E achei muita graça e isto é outro pormenor da vitalidade da Marta. Ela este ano não desfilou pelas marchas na Avenida, não foi por estar grávida, foi porque tinha espectáculo, mas mesmo assim saltou as grades e desceu a Avenida a pé! A gravidez não é uma doença.