“Avós e Netos na vida da Alice Vieira”

A importância dos netos na vida de um uma das escritoras mas queridas dos portugueses.

Dizia o prof. João dos Santos que “ nenhuma criança pode viver sem uma avó e sem uma aldeia—e se os não tiver, terá de os inventar”.

A aldeia para mim era Lisboa…e não me fazia muita confusão.A aldeia da família era a aldeia de Lapas (perto de Torres Novas e onde hoje vive o meu filho), ia lá de vez em quando e isso bastava-me.

Mas tive de escolher a minha avó.

Maria Lúcia Namorado a pessoa que a Alice escolheu para avó

A minha avó foi a minha prima Maria Lúcia Namorado  (jornalista no “Diário de Lisboa” e directora de uma revista de grande sucesso  chamada “Os Nossos Filhos”(1942-1958), onde colaboraram todos os grandes nomes da cultura  desse tempo. Não sei o que teria sido a minha vida sem ela. Sempre pronta a ouvir-me, fosse a que horas fosse. E evitou que eu fizesse muitas asneiras…Um dia fugi de casa. Fui ter com ela (para além de jornalista trabalhava na Fundação Sain  com o psiquiatra Martinho do Rosário –mais conhecido por Bernardo Santareno) e lá lhe contei tudo.Ela levou-me para casa dela, e fiquei lá uns dias até acalmar, e ela me convencer que, para sair de casa eu tinha de depender de mim própria e de mais ninguém, por isso era preciso continuar a estudar para arranjar uma profissão, e então fazer da minha vida o que quisesse. Aprendi a lição e comecei a trabalhar no “Diário de Lisboa” aos 18 anos. Já morreu há 20 anos e todos os dias sinto a falta dela.

Quanto aos meus netos—têm aldeia e têm avós. Não precisaram de inventar nada.

Atrás do pai, que era professor e colocado em várias universidades, mudaram de casa, de terra e de país vezes sem conta. A primeira palavra que a Adriana, minha neta mais velha, disse foi “adeus”…Já mais velha, um dia perguntei-lhe “quando dizes a minha terra—a tua terra é onde?”  “É onde me sinto bem”. Depois de andanças e mais andanças,tem agora 25 anos, é cientista, e vive em Cambridge.  A seguir o Diogo, também nas mesmas andanças (mas esse, sabe-se lá porquê, a primeira palavra que disse foi  “escadote”… ) tem 21 anos e vai em Setembro (esperemos…) começar um doutoramento na Universidade de Northernwest, em Chicago (onde todos viveram em 2003 ); o Pedro tem 20, estuda engenharia aero-espacial no Técnico, tem o curso de piano e há uns anos que estuda alemão porque depois quer ir para a Alemanha; a Isabel tem 15, está no 10º ano na escola de Torres Novas e é campeã de futsal.

Por aqui se vê que eu nunca fui uma avó muito presente—e nesse tempo nem havia vídeo-chamadas nem nada… A Inglaterra ainda fui muitas vezes vê-los, mas a Chicago só fui duas vezes.

Mas quando eles vinham, o nosso tempo era muito bem aproveitado. Nunca quis que a casa da avó fosse a extensão do ATL. A casa da avó era para eles se divertirem. Mas também não sou e nunca fui daquelas avós que “estragam “ os netos. Se os pais não querem, eu não faço.

 E o que é preciso é ter imaginação……Já alguém ouviu falar de uma praia num sexto andar de um prédio das Avenidas Novas? Nós tínhamos. Assim que eles chegavam, eu arredava a mesa da casa de jantar, punha um grande plástico no chão, no meio uma banheira redonda de plástico que eu tinha comprado numa loja de chineses, enchia aquilo  de água—e eles saltavam lá para dentro…

Era uma maravilha… Depois havia sempre um que dizia: “já estou há muito tempo na água, vou apanhar sol”—e saltava da banheira e punha-se estendido numa toalha no chão a apanhar sol…

O que a gente se divertia…e que pena eu tenho que a praia tenha acabado…

Também gostávamos muito de fazer telejornais… Eles mascaravam-se (tenho sempre cabeleiras  e fatos antigos num armário), punham o banco do piano em cima da mesa—para fazer o écran da televisão—eles escreviam o texto, e depois cada um ia ler…Aí era de escangalhar a rir… Crianças bastante politizadas, havia um sketch extraordinário que era a Isabel com um ar muito triste a pedir para interromper o telelejornal porque queria fazer uma comunicação ao país. Então lá aparecia e dizia: “eu sou a mãe do Passos Coelho e é só para dizer que não foi esta a educação que eu dei ao meu filho”. Agradecia e saía.

Também havia um terrorista que invadia a televisão—mas era só para dizer que estava muito contente porque tinha aderido ao programa das Novas Oportunidades … (Era uma coisa muito em voga nessa altura)

E a Rainha Santa Isabel que só dizia “ quero lá saber das rosas, eu quero é o “Expresso”

Pronto, depois cresceram, foram à sua vida.

Mas há uma coisa que ainda hoje todos têm : gostam muito—e sempre gostaram—de estar com pessoas mais velhas…Antes da pandemia, o Pedro, que vivia então em Lisboa, vinha sempre uma vez por semana jantar comigo.

E têm muito o culto do avô—que morreu há 18 anos, a Isabel nem o conheceu—e todos os dias 31 de Julho, que era o dia dos seus anos, onde quer que estejam telefonam-me sempre a dar os parabéns. Se por acaso estão cá, fazemos festa, com bolo e tudo e cantamos os parabéns. E estão sempre a contar histórias do avô (algumas, diga-se, inventadas pelo meu filho…)

Trabalham muito, são muito responsáveis—mas aquilo de gosto mais neles todos é que são muito boas pessoas.

Alguns (dos muitos) livros de Alice Vieira

Rosa Minha Irmã Rosa – Livro que marcou o inicio da obra literária em 1979

Muito mais sobre a escritora aqui: Retratos Contados de Alice Vieira

Boneca inspirada na escritora Alice Vieira. Ver mais aqui: Bonecas MariUp

A Mulher a quem eu tenho o privilegio de tratar por avó.
Obrigado a todos os escritores que ao longo dos séculos nos têm dado tanto.

Apoio Água de Luso

Uma marca transversal a várias gerações