“Diário de uma avó e de um neto…Desconfinados”
terça-feira, 20 de abril 2021
Querida avó,
Se a Rosa Lobato Faria fosse viva faria hoje 89 anos. Partiu, prematuramente, há 11 anos.
Apesar de (até hoje) nunca ter lido um único livro dela, recordo muitos trabalhos da Rosa. Sabia fazer tudo. Foi atriz, escritora, romancista, poetisa (lembro-me de em criança a ver a recitar poesia na televisão), contista, dramaturga e guionista de novelas e séries.
Teve a sua primeira experiência como atriz por volta dos 40 anos e por volta dos 50 anos inicia um percurso regular na televisão. Como vês, nunca é tarde para nada!
Recordo-me de a ver na Vila Faia, a primeira novela portuguesa
As suas raízes aristocráticas não diminuíram o seu sentido de humor muito peculiar. Recordo, com saudades, de a ver em alguns programas do Herman José. Penso que até chegou a escrever alguns guiões desses programas.
Tinha um jeito inato para escrever canções. Para o Festival da Canção escreveu: “Amor de Água Fresca” interpretado pela Dina em 92; “Chamar a Musica”, pela Sara Tavares em 94; Baunilha e Chocolate em 95 por Tó Cruz ; e em 97 “Antes do Adeus” por Célia Lawson –todas vencedoras dos respetivos Festivais da Canção.
Começou a escrever poesia ainda em criança, mas só publicou obra depois de celebrar 60 anos, estreando-se com o romance “O Pranto de Lúcifer” em 1995.
Escreveu vários romances, livros de poesia, contos e uma mão cheia de livros de literatura infantil.
Distinguida em 2000 com o Prémio Máxima de Literatura, Rosa Lobato de Faria publicou em 2008 o seu último romance, “As esquinas do tempo”.
Estarei “embriagado” pelo desconfinamento, ou tu, juntamente com outros autores, colaboraste com Rosa Lobato de Faria nas obras “13 gotas ao deitar”, “Eça Agora – Os herdeiros dos Maias” e os “Os novos mistérios de Sintra”?
Rosa Lobato Faria foi conhecida sobretudo pelo que fez na televisão. Mas é injusto, porque nunca teve a aceitação que merecia por parte da crítica pelos seus romances. Penso que pelo facto de estar ligada à televisão e às cantigas.
Rosa Lobato Faria faz parte das muitas personalidades que nunca devem ser esquecidas!
Para isso, cá estamos nós com o nosso “Diário” a recordar uma personalidade que jamais deve ser esquecida. Para que os mais velhos recordem, e os mais novos saibam quem foram estas pessoas.
Estou aqui a pensar: acho que podia organizar uma exposição retrospetiva da Rosa Lobato Faria. Com uma tertúlia com filhos, netos e amigos …
Uma vez que eu próprio nunca li um livro seu, esta seria uma forma de saber mais sobre a Rosa de todas as Rosas, e partilhar esse conhecimento com os outros.
Ajudas-me a recordar a Rosinha (como era conhecida pelos amigos)?
Bjs
Querido neto,
Tu não me digas que nunca leste nada da Rosinha, que eu demito-me de tua avó! Mas pronto, como dizes que vais ler…estás (um pouco) perdoado. Já agora, começa por ler o “Prenúncio das Águas”. Espero que a partir dessa tua leitura te entusiasmes e leias os outros todos.
Dizes que nunca teve a aceitação que merecia – e é verdade. Sabes porquê? Porque ela tinha um grande, um enorme defeito: era muito bonita e fazia tudo bem. E isso ninguém perdoa!
Uma vez, há muitos anos, fui a um programa de televisão em que se falava de livros e, no fim, davam a quem lá ia os livros recebidos naquela semana. E lembro-me de o apresentador, também com livros publicados (não digo o nome para ele não ficar envergonhado), me ir dando livros e mais livros e, ao pegar num livro da Rosa Lobato de Faria, me dizer, rindo, “este não queres, com certeza!” E eu: “Porquê?” E ele, admiradíssimo, “ai queres?!!”
Era assim. Mas ela não se ralava.
De facto, ela disse poesia num programa de televisão. Mas o programa era de David Mourão Ferreira, e ela ainda assinava Rosa Sachetti. E já era uma maravilha ouvi-la. (Nem o Mourão Ferreira a escolheria se não fosse assim.)
Trabalhámos muito juntas. Em todos os livros que escrevemos em conjunto com mais seis autores, era sempre ela que escrevia o primeiro capítulo e o último.
Deu-me dois grandes conselhos, que sigo até hoje.
Dizia ela: “Só devemos concorrer a prémios que só tenham um primeiro prémio—nem 2º, nem 3º, nem menções honrosas. Estás a ver: O Zé das Couves ganhava o 1º prémio–e nós ganhávamos uma menção honrosa? Isso é que era bom! Só com um prémio—se ganhares, ótimo! Se não ganhares, ninguém fica a saber.”
E o outro conselho: “Rasga todos os poemas que não entraram no livro. Quando voltares a escrever um livro, tu és outra pessoa, os tempos são outros. Não aproveites nada. Faz tudo de novo”.
Grandes conselhos, digo-te eu!
E, sempre com aquele seu ar aristocrático, tinha uma graça!! Uma vez partiu um pé. Então passou a andar com uma t-shirt que dizia: “Felizmente não escrevo com os pés.”
Beijinhos e começa a ler um livro da Rosa Lobato Faria, que te vai fazer muito bem. Como há por aí um slogan “ler um livro por dia, nem sabe o bem que lhe fazia…”
Oito dias, vá lá…
Estou contigo nessa homenagem que pretendes fazer à Rosinha.
Grande ideia!
Bjs e não te vás enfiar nos Centros Comerciais. A não ser que seja para compares os livros da Rosa de todas as Rosas!
Outros capítulos aqui: “Diário de uma avó e de um neto … Desconfinados”