“A Noite das Mil Estrelas” trouxe a Dora de volta ao palco

Nesta 1ª parte da entrevista, Dora revela a enorme emoção de voltar ao palco, bem como partilha as suas angústias sobre o abandono sénior.

 

Dora em A Noite das Mil Estrelas (4)

 

Retratos Contados: Então vamos começar por falar da peça “A Noite das Mil Estrelas”. Fale-nos dos diferentes papéis que representa nesta peça.

Dora: Neste fantástico espetáculo, tenho de dizer que o adoro, que é um privilégio fazer parte dele e fazer parte de um elenco tão talentoso, eu faço a abertura com o Rui Andrade e com a Cláudia Soares, depois entro para fazer o “Tamariz” com a Cláudia Soares e com a Catarina Mouro, portanto é uma viagem ao Tamariz dos anos 30 em que temos o número de sapateado.

Depois saio e volto para fazer a “Alta Sociedade”, que é uma paródia dos pelintras, mas que fala de facto sobre uma coisa que é verdadeira, grandes figuras, quer actores de cinema quer estadistas, reis, princesas, milionários, frequentavam este casino. O número é sobre isso mesmo. E depois tenho mais!

Depois da “Alta Sociedade” tenho “Portugal”, que é sobre aquela época que a chanson française, aqueles cantores de charme, aquelas meninas muito anos 50, que é muito engraçado.

A seguir entro para o “Carnaval”, em que faço uma personagem que é a rainha do carnaval. Depois entro numa viragem também no conceito do espetáculo de casino, em que sou uma corista, adoro vestir as capas e as plumas, adoro!

Depois faço um número muito engraçado, que é o número das “Misses”, que é uma homenagem, mas ao mesmo tempo é uma sátira.

Seguidamente, faço a “Diana Ross”, que é uma das minhas cantoras favoritas, e faço o final com todo o elenco.

 

R.C.: Já não pisava este palco há alguns anos …

Dora: Já, eu saí do casino em 2007. Mas posso dizer que é o meu palco favorito de todo o mundo, passo a expressão. Eu trabalhei no casino durante 6 anos, e é uma casa que eu adoro, e é um palco com quem eu tenho uma relação muito especial. Porque foi mesmo quando eu voltei do Brasil, eu comecei a trabalhar aqui, e estou assim em êxtase, agradeço todos os dias por pisá-lo outra vez.

 

Dora em A Noite das Mil Estrelas (2)

 

R.C.: E é a primeira vez que trabalha com o Filipe La Féria?

Dora: Sim, esta é a primeira vez que trabalho com o Filipe La Féria.

 

R.C.: E tenho ideia que veio a um casting.

Dora: Fui a um casting, completamente sem esperançada, mas fui! (Obrigação moral de ir a tudo o que pudesse vir a ser trabalho). E passei, para minha grande surpresa, a coisa foi mais ou menos assim: o Filipe viu-me, eu cantei… Para mim afigurou-se uma oportunidade fantástica porque me convidaram para fazer parte do espectáculo. Eu nunca tinha trabalhado com o Filipe, há imensas histórias a respeito do Filipe… O que eu tenho a dizer do Filipe La Feria é que ele é uma pessoa muito talentosa, que ele é um professor! Se nós tivermos com atenção, ele é um professor maravilhoso, ele tem o espetáculo todo na cabeça antes mesmo do espetáculo acontecer.

As pessoas falam “ah, ele tem mau feitio”. Não, ele tem é uma vitalidade e uma vontade de fazer coisas e uma coragem por fazê-las também, por fazê-las bem, que ele simplesmente quer ver o mesmo empenho, o mesmo esforço, a mesma dedicação nas pessoas com quem ele está a trabalhar. E isso acho que é de louvar, só temos a aprender com isso!

 

R.C.: E segundo o que eu percebi, vi numa entrevista vossa, até o próprio Filipe ficou surpreendido de a ver no casting, não foi?

Dora: Ficou, ficou completamente surpreendido! Mas pronto, correu bem!

 

R.C.: Convide as pessoas, os seguidores dos Retratos Contados a virem assistir à peça “A Noite das Mil Estrelas”.

Dora: É um espetáculo realmente grandioso, muito bonito, tem uma dinâmica que não o torna de todo um espetáculo cansativo. É uma pérola feita pelo Filipe La Feria, que conta a história do Casino do Estoril e do próprio Estoril, tem um elenco de pessoas muito talentosas, desde os bailarinos, aos meus colegas cantores, porque são enormes em talento, tem toda uma alegria… As pessoas têm de vir ver porque, de facto, é uma estética diferente, e vão ficar, eu não digo agradavelmente, vão ficar completamente estarrecidas com a beleza do espectáculo. Venham ver “A Noite das Mil Estrelas”.

 

Dora em A Noite das Mil Estrelas (3)

 

R.C.: Os Retratos Contados apresentam-se como um projeto único e diferenciador, uma vez que nos focamos numa área diferente do habitual, estamos a falar de pessoas mais velhas. O nosso objetivo é falar das ligações entre avós e netos, a importância dos avós na vida dos netos, e vice-versa. O que é que acha deste projeto?

Dora: Eu acho um projeto muito interessante!

Penso que os pais têm que perceber o quanto os avós são importantes na vida dos netos. E eu acho que para as crianças, para qualquer criança, ter uma avó, ter um avô, ter avós, é enriquecedor, porque são ensinamentos de amor. É muito importante nós percebermos de onde é que viemos, porque é que muitas coisas são assim, e saber quem eram as pessoas que existiam antes de nós e que nos amam, e que cuidaram de nós e que nos ajudaram. Eu acho que qualquer criança que tenha acesso, ou que possa conviver de perto com os seus avós só tem a ganhar.

 

R.C.: São muito mais ricos, não é?

Dora: Muito mais! E eu acho que hoje em dia isso está um bocado perdido, porque as pessoas têm uma vida complicada, os avós estão num lar, não há a mesma ligação. Penso que as crianças têm de ter uma ligação muito próxima com os avós!

 

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R.C.: Mas acha que hoje em dia existe uma crise de valores?

Dora: Eu acho que sim, eu acho que há, não sei porquê, às vezes eu tenho ideia de que se criou uma ideia que é completamente falsa da eterna juventude, e que as pessoas quando chegam a determinada idade são um peso.

Penso que se criou uma espécie de indiferença às pessoas de idade, uma indiferença até da própria família muitas vezes, porque as pessoas esquecem-se de que alguém cuidou deles, alguém andou com eles ao colo e lhes trocou a fralda, cuidou dos filhos, pagou os estudos ou ajudou-os… E eu acho que as pessoas… Hoje em dia valoriza-se muito a juventude, o que é jovem, e as coisas são muito efémeras, muito superficiais, e eu acho que só temos a perder, porque nos estamos a tornar pessoas muito mais vazias, porque no fundo, o que nos preenche são os afetos reais, são os afetos verdadeiros mesmo.

No meu caso, os meus avós na vida da minha mãe, na minha vida e dos meus irmãos, são uma referência fortíssima, eu sou uma pessoa muito mais rica, e pude dar muito mais aos meus filhos do que se eles não tivessem existido. E ser velho não é um crime, todos nós vamos ser velhos um dia, faz parte do ciclo da vida.

 

R.C.: E como é que acha que a população mais velha está a ser tratada hoje em dia, neste país?

Dora.: Muito mal! Há um comércio de idosos, há lares que as pessoas nem imaginam, que eles estão amarrados na cama, não lhes dão banho, há um comércio em torno das pessoas idosas, que os filhos já não têm espaço e querem viver a vida deles…, e não têm tempo para cuidar, e despejam-nos literalmente, eu não estou a falar de pessoas que precisam de cuidados específicos, e às vezes precisam, não estou a falar disso, uma pessoa que tem Alzheimer, que abre a porta, que sai…, para a própria família, é óbvio que tem de ser institucionalizada num lugar onde possa ter cuidados até para própria segurança.

Mas há uma avalanche, parece que houve uma ordem de despejo. Então eu acho que se gerou um comércio, um bocado desumano e eu acho que os nossos velhinhos são muito solitários! E acho que as pessoas tinham muito a aprender com eles, se parassem, ouvissem e se lembrassem.

 

R.C.: Só se dá importância aos novos?

Dora: Nasce-se, cresce-se, amadurece-se, envelhece-se e morre-se. Mas as pessoas esquecem-se que aquela pessoa que está ali sentada, aquela velhinha que está ali e que se calhar agora não anda tão bem, foi em tempos uma adulta autónoma, com a sua casa, com o seu trabalho, com o seu dinheiro, com os seus filhos, como nós somos agora! E não é por isso que eles têm de ser tratados de uma forma condescendente ou desumana, ou serem ignorados, ou “não há paciência, não há não sei o quê”. Olha-te e vê-te, olha e vê-te. É assim que queres ser tratado? É assim que queres que os teus filhos te tratem? Acho que é uma crueldade.

 

R.C.: É engraçado tocar nesse assunto, porque nós, em relação a uma criança, se for necessário dizemos 5, 6, 8 vezes para não fazer aquilo, estamos sempre a dizer a mesma coisa. Em relação a uma pessoa mais velha…

Dora: Há uma impaciência… “Já disse, não ouviu?”, eu assisto! Toda a gente assiste a exemplos também de filhos maravilhosos, que cuidam dos seus pais com todo o amor e carinho. Mesmo quando têm de os institucionalizar têm uma preocupação enorme com o lugar e visitam-nos todos os dias, e não querem que a pessoa pense que foi ali deixada. E isso acho louvável, porque às vezes é mesmo impossível. Mas assisto a muito… Por exemplo, lá no meu bairro onde eu moro, há uma velhinha que mora sozinha. Ela não sai para a rua sem o seu batom, sem a sua echarpe, sempre de cabelinho arranjado, sem a sua malinha, e tem imensa dificuldade em caminhar, mas ela luta para manter a mulher que ela conhece, que ela aqui dentro é. E isso comove-me profundamente, comove-me.

 

Dora

 

R.C.: Claro que sim, porque as pessoas não devem ficar em casa só a ver televisão e à espera que chegue a morte.

Dora.: E eu acho tão lindo, esse não se render, esse não desistir de si próprio. Eu acho que se eu não tivesse tido os meus avós, talvez isso me passasse ao lado. Lá também onde eu moro fazem bailes para idosos, onde as senhoras vestem os seus vestidos e os senhores também vão dançar, acho isso maravilhoso, as pessoas não podem desistir delas, não podem… Porque a solidão é uma coisa terrível!

 

Agradecimentos: Produção “A Noite das Mil Estrelas”

Fotos: https://www.facebook.com/anoitedasmilestrelas/?fref=ts