“Não sei o que é amor de avós, nunca o senti verdadeiramente”
Há anos que estou para escrever este texto sobre os avós para o “Retratos Contados”…
Acho que posso até orgulhar-me de ter sido uma das primeiras pessoas a quem o Nelson pediu para o fazer, mas, logo a seguir, também posso sentir-me envergonhada por nunca o ter escrito.
Não é que tivesse deixado de pensar em fazê-lo, muito pelo contrário, carregava essa falha como um peso que não conseguia aliviar mas, a verdade, é que diante do tema “avós”, sempre que pensava em escrever qualquer coisa que fosse, sentia a cabeça vazia, como se não tivesse nada de importante para dizer.
Percebi que é de facto muito mais difícil falar de “não sentir”.
Não sei o que é amor de avós, nunca o senti verdadeiramente. A vida não me proporcionou esse convívio que dizem, tão doce e tão quentinho.
Geograficamente sempre estivemos afastados, mas também é verdade, que do longe se faz perto quando o coração assim manda.
Os meus avós nunca conheceram a leveza da vida. Foram duros tempos, sem tempo… sem tempo para mimar ou para brincar.
Cada hora significava o ganho para o sustento e, garanti-lo (o que nem sempre era conseguido tanto quanto gostariam), era a sua forma mais genuína de amar.
Foi assim que toda a vida amaram os filhos, à sua maneira, e mais tarde também os netos, que apenas viam nas viagens à terra nas férias escolares. Recordo aquele momento em que, na despedida, me colocavam na mão a nota de 20 escudos (que tanto lhes custou a ganhar) para levar para Lisboa e isto, era o que mais perto conheciam de mostrar que gostavam de mim… e eu sei que gostavam.
É estranho pensar que a avó de quem sempre me senti sempre mais próxima (até hoje) foi a minha avó Diamantina, sim, herdei-lhe o nome.
Não a conheci, morreu quando o meu pai tinha apenas 4 anos, mas penso, falo dela (e com ela) como se tivéssemos convivido largos anos.
E bem disse eu, do longe se faz perto quando o coração assim manda, e da Terra ao céu ainda vão uns bons quilómetros!
Às vezes, quando ouço pessoas mais ou menos da minha idade falar do seu amor pelos avós, percebo nitidamente que falam de um amor diferente, de uma emoção diferente que não conheço e, bem dentro de mim, sei que tenho uma invejazinha escondida, revestida de muita pena de não a ter sentido.
Há meia dúzia de anos, fui convidada para fazer a apresentação de um livro de contos infantis da autora Sandra Januário (Sótão no Céu).
Um dos contos descrevia de forma muito bonita, os sentimentos de uma menina de 12 anos após a morte da sua avó. A menina salientava as memórias, a recordação dos cheiros, dos toques e até das cores, que lhe traziam momentos felizes e partilhados.
Escolhi em casa, um excerto do texto que achei muito bonito, para ler na apresentação e quando o fiz, dei por mim a chorar sentidamente, comovendo toda a plateia presente.
No final tive pessoas a perguntar se tinha perdido uma avó recentemente ou a comentar que devia ter uma relação muito bonita com os meus avós… senti-me tola naquele momento e, no caminho para casa, estava até meio irritada comigo mesma por não entender por que raio me havia emocionado com aquele momento e percebi, que talvez não sentir, possa provocar um sentimento tão ou mais forte que o sentir…
É um sentimento de angústia e de pena, de raiva e de injustiça por não ter tido o direito de escolher sentir. É um não haver volta a dar, faças o que fizeres, para mudar essa história.
De há uns tempos para cá, voltei a ouvir histórias de avós e netos, que por força das circunstâncias também alimentam uma distância que não pediram e que, só parcialmente escolheram…
Agora, até me dá jeito não ter esse sentimento, é menos um peso a carregar nesta fase difícil.
A todos o que a vivem, resta mesmo aliviar a angústia lembrando que esta distância é exatamente marcada pelo amor porque, ao contrário de em qualquer outro momento… Sentir e Amar, é não estar.
Conheçam mais sobre a linda Diamantina Rodrigues aqui: Mais Retratos Contados da Diamantina Rodrigues.