“CRÓNICA SAUDOSISTA…”

“CRÓNICA SAUDOSISTA…”

Crónica publicada no Jornal de Mafra

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CRÓNICA SAUDOSISTA…

E lá chegámos ao fim de mais um ano. Um ano mau, a alertar para perigos e ameaças de que nem suspeitávamos, e a mostrar-nos a terrível fragilidade em que assenta o nosso mundo.

Mas amanhã começa um novo ano —e é para ele que nos devemos virar agora. Vamos, por momentos, esquecer o que se passou, e tentarmos deixar vir ao de cima algum optimismo que ainda se possa encontrar dentro de nós.

Por muito que se queira mostrar aos outros que somos superiores a estas datas festivas, e que o dia 1 de Janeiro é apenas mais um dia no calendário, e que Janeiro é apenas o mês que se segue a Dezembro, como Março é o mês que se segue a Fevereiro, e coisas assim—não é verdade.

Janeiro é sempre um mês diferente.

Um mês pesado, por todas as expectativas que nele colocamos, e por todas as promessas que fazemos a nós próprios.

É a partir de agora que vamos ter mais tempo para as pessoas que precisam de nós.

É a partir de agora que vamos encarar os problemas de maneira mais positiva.

É a partir de agora que vamos visitar mais vezes a tia, a madrinha, a prima, o avô que está no lar.

É a partir de agora que vamos organizar melhor as nossas tarefas.

Etc, etc, etc…

Claro que daqui a uns meses já nem nos lembramos do que mentalmente prometemos, e a vida lá vai continuando.

E embora este ano que passou não tenha deixado saudades nenhumas—é de saudade que aqui falo hoje.

Porque sempre me pareceu estranho que este mês de Janeiro—vocacionado para nele pensarmos no futuro—tivesse sido o mês escolhido para nele se instituir o Dia da Saudade.

E o que ainda me parece mais estranho é que não tenhamos sido nós, os portugueses, a instituí-lo!

Nós—que, ao que parece, temos o exclusivo da palavra.

Nos—que temos o fado.

Nós – que passamos o tempo a dizer “ah, no meu tempo é que era bom!” (a falta de memória que as pessoas têm…Adiante…)

Nós—deixámo-nos ultrapassar pelos brasileiros!!!

É verdade.

Foi o Brasil, que partilha a nossa língua, a decidir, já há anos, celebrar oficialmente o Dia da Saudade no dia 30 de Janeiro.

Por cá o hábito ainda não pegou –mas deixem a data chegar aos ouvidos dos comerciantes (por isso eu aqui dou a notícia com alguma antecedência…) e vão ver as montras a abarrotar de ursinhos de peluche a chorar, reproduções do “menino da lágrima”, cartões para mandar a quem está longe, CD’s com as mais variadas maneiras de cantar o tema, livros carregados de sonetos de amor—quer dizer, uma espécie de Dia de S. Valentim, mas em tristinho, com o preto a tomar o lugar do vermelho.

E já que falamos de “saudade”, ficam a saber que ela é considerada  pelo  “Today Translation”:

  1. uma das palavras mais difíceis de traduzir
  2. a mais bela de todas as palavras.

Quanto à dificuldade, há grupos de tradutores que a colocam em 13º lugar,  depois de palavras como, por exemplo, “mamihlapinatapei” (língua da Terra do Fogo, e que significa duas pessoas que querem fazer qualquer coisa de novo mas têm medo de dar o primeiro passo), “jayus” (da Indonésia, significando uma anedota tão parva, tão parva que até dá vontade de rir), “kyoikumama” (do Japão, significando uma mãe incansável em empurrar o filho para uma carreira académica), “tartle” (da Escócia, significando a hesitação de alguém que quer apresentar duas pessoas e não se lembra dos seus nomes), “torschlusspanik” (da Alemanha, significando o medo de que as oportunidades diminuam com a velhice), etc—e vem logo a seguir a (imagine-se!) “duende”, de Espanha, e “cafuné”, do Brasil.

Mas quanto à beleza parece não haver dúvidas: todos colocam “saudade” como a mais bela de todas as palavras, explicando que a escolha se deve à sua sonoridade, independentemente do que significa.

Claro que os ingleses, antes de se decidirem a admitir isto, pediram a um conceituado tradutor e autor de variadíssimos dicionários, chamado Robert Beard, que estabelecesse listas com as mais belas palavras inglesas E ele lá fez —listas de palavras que entram na linguagem de todos os dias (“smile”,”love”, “eternity”,”freedom”, “liberty”, “umbrella”, etc…), e listas de palavras requintadas, das que requerem Google ou dicionário à mão ( “serendipity”, “wherewithal”, “efflorescence”,etc…)

Mas nenhuma leva a palma à nossa “saudade”…

Que, ao que parece, apareceu escrita pela primeira vez no Cancioneiro da Ajuda, no século XIII.

Ora, como todos sabem (e sentem…) podemos ter saudades de muita coisa: de pessoas, de animais, de tempos antigos, de músicas, de comidas, de lugares, de cheiros, de sabores, de casas, de hábitos, de trabalhos, eu sei lá que mais.

Mas, neste princípio de ano, e para rematar esta crónica “saudosista”, quero recordar aqui o grande poeta José Gomes Ferreira (um amigo de quem tenho muitas saudades!) que dizia:

“Saudades, só do futuro!”

E o futuro começa amanhã. E que venha bem diferente do passado que hoje largamos.

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A publicação destas cónicas é uma parceria entre os Retratos Contados e o Jornal de Mafra.

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