A importância da Celeste Rodrigues para os Retratos Contados

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“A importância da Celeste Rodrigues para os Retratos Contados”

“Quem me “apresentou” a Celeste Rodrigues foi o meu Avô Alberto”

Quando era pequeno, o meu avô Alberto falava-me muitas vezes de umas irmãs com apelido Rodrigues, que cantavam o fado.

O meu avô adorava Fado! Penso que nunca veio a Lisboa ouvir Fado numa Casa de Fado. No entanto, andava sempre acompanhado de uma pequena telefonia a pilhas, (será que os mais novos ainda sabem o que era uma telefonia?), onde ouvia o Fado.

O avô Alberto falava-me também do nome de outros fadistas como: o Alfredo Marceneiro, a Argentina Santos, a Beatriz da Conceição, a Fernanda Batista, o Fernando Farinha, a Anita Guerreiro, a Lucília do Carmo … entre outros.

Mas as tais irmãs Rodrigues, era efetivamente o nome que ele mais referia.

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Para além da tal telefonia a pilhas, o avô Alberto andava sempre a cantarolar Fado lá por casa. No entanto, havia uma canção que ele cantava muito mais vezes do que as outras. Ainda hoje, passados mais que 30 anos, recordo frequentemente a voz do avô Alberto a cantarolar “Olha a mala olha a mala, Olha a malinha de mão. Não é tua nem é minha É do nosso hidroavião”

Tema que Celeste Rodrigues gravou em 1950 e que foi um sucesso estrondoso na época.

Penso que a sua preferência para esta canção em particular, tinha a ver com o Avô Alberto ter trabalhado muitos anos nas O.G.M.A. (Industria Aeronáutica em Alverca)

 

Nessa época, estava longe de pensar que algum dia iria criar um projeto dedicado a avós e netos o projeto www.retratoscontados.pt

Nunca imaginei que o primeiro testemunho para o site Retratos Contados fosse precisamente a Celeste Rodrigues, uma das tais irmãs Rodrigues que o Avô Alberto tanto me falava. A voz do Fado “Olha a Mala” que o meu avô Alberto tanto cantava.

O primeiro encontro que tive com a Celeste Rodrigues aconteceu no Museu do Fado na última segunda-feira do ano de 2015.

Este encontro aconteceu no dia em que o Museu do fado está fechado.

Naqueles dias entre o Dia de Natal e o Dia de Ano Novo, quando muitos aproveitam para sair de Lisboa, a Fadista Celeste Rodrigues (que sempre detestou dar entrevistas, mas adorava conversar), juntamente com o neto Diogo Varela Silva e os bisnetos Sebastião e Gaspar, esteve connosco à conversa.

Espreitem aqui: Retratos Contados da Celeste Rodrigues no Museu do Fado

Cliquem aqui para ler a 1ª parte:

Ao ter um filho, a pessoa sente-se a mais rica do mundo, alta quando é baixa, bonita quando é feia

Cliquem aqui para ler a 2ª parte:

“Já não tenho carta, mas diziam que eu guiava tão bem como um chauffer de táxi!”

Cliquem aqui para ler a 3ª parte:

“Lembro-me bem da minha bisavó andar com o andarilho, mas nunca deixar de fazer as coisas!”

 

A primeira de várias vezes que voltamos a conversar.

Ao longo destes 3 anos e meio, tive o privilégio de estar com a Celeste Rodrigues mais algumas vezes.

Pontualmente passava pelo O Luso para lhe dar um beijinho e trocarmos dois dedos de conversa.

Outras vezes cruzávamo-nos na rua. Cumprimentava-me sempre. Facto que sempre achei extraordinário, alguém com mais que 90 anos, que se cruza com imensas pessoas diariamente nos mais diferentes locais … lembrar-se de mim e dizer-me “ Ainda estive a ver as fotos que tiramos no “Museu do Fado recentemente. Engraçado como o Gaspar e o Sebastião têm crescido desde que aquelas fotos foram tiradas. Só eu estou na mesma. Ainda vou chegar aos 100 anos

Isto era sempre dito com um sorriso fantástico e com um olhar de uma doçura inigualável.

Recentemente estive numa conferência de imprensa com a Alice Vieira, onde a Celeste Rodrigues iria falar do espetáculo que ia acontecer no Tivoli BBVA.

Tanto eu como a Alice ficamos chocados, quando fomos informados por alguns jornalistas que trabalham para jornais com nome bastante credível no mercado, que os diretores desses jornais os tinham enviado para falarem com a “Amiga da Madonna”.

Como é possível????

Para mim a Celeste Rodrigues nunca foi a irmã da Amália Rodrigues. Sim, nas nossas conversas falávamos algumas vezes da Amália, mas no contexto família.

Sempre me chocou ouvir Celeste Rodrigues a irmã da fadista Amália Rodrigues”. Então mas a Celeste Rodrigues não era também fadista.

Mais recentemente “Celeste Rodrigues amiga da Mandonna”???? Não é possível!!!

Se ouvisse isso num programa da Oprah Winfrey ou dito por outro apresentador de um talk-show americano ainda podia aceitar.

Agora como é que alguém ligado ao jornalismo em Portugal, pode tratar uma Mulher com 95 anos, uma carreira de 73 anos, com mais do que 60 álbuns gravados, que pisou os grandes palcos em todo o mundo ao longo da sua carreira … Como é que alguém com um percurso destes pode ser apresentada como “Celeste Rodrigues amiga da Madonna”?  Como quem diz, “Não estás a ver quem é?”

Depois dessa conferência de imprensa (que nos deixou chocados), fomos convidados para ir a casa da Celeste Rodrigues onde tivemos novamente uma tarde fantástica.

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Ao longo de duas horas conversamos e rimos muito. São essas a memórias que vou guardar para sempre no meu coração e na minha cabeça.

Uma mulher que ao 45 anos deu um rim à sua irmã Odete e que nunca gostava de falar sobre isso.

Uma mulher que fugia o mais possível dos órgãos de comunicação social “Muitas vezes ligam lá para casa, para eu dar entrevistas e ir à televisão, faço prenuncia do Fundão e digo “A senhora não está”, e eles acabam por desistir”

A mulher que manteve a vontade e a alegria de viver até ao fim.

Irei recordar sempre o espetáculo que vi no Teatro São Luis em Outubro de 2015, o Documentário “Fado Celeste” realizado pelo neto Diogo Varela Silva, que fui assistir ao Teatro Malaposta.

A mulher de 95 anos com uma lucidez, uma visão contemporânea, uma garra e um modo de olhar a vida muito seu.

Ainda na última vez que estivemos juntos a Celeste dizia-nos “Eu durmo duas ou três horas por noite porque não quero perder tempo de vida a dormir.

Foi tão bom estar presente do espetáculo comemorativo dos 73 anos de carreira/ 95 de idade da Celeste Rodrigues, que aconteceu a 11 de Maio no Teatro Tivoli.

A última vez que a vi.

Vou recordar sempre esta mulher que tinha e transmitia a energia, de quem quer muito viver.

Espreitem aqui a nossa última conversa: 

“Os Retratos Contados estiveram novamente à conversa com a Celeste Rodrigues”

 

Manteve-a até ao fim!

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“Celeste Rodrigues 95 anos de vida 73 anos de carreira”

 

Nas nossas conversas, Celeste Rodrigues partilhou connosco memórias de infância.

“É uma altura em que as pessoas têm sonhos, acham que tudo é belo, não se dá pelas dificuldades. Os tempos de menina estão sempre presentes nas minhas memórias.”

Sinto saudades da minha infância! Tinha a família toda junta, é só disso que tenho saudades. Tinha uma família muito bonita! Como seres humanos, todos eram muito bonitos”.

Nasceu no Fundão e veio viver para Lisboa com os pais aos 5 anos. Só nessa altura conheceu a sua irmã Amália, que vivia em lisboa com os avós e até ali só conhecia “por retrato”.

“Andávamos sempre juntas! Mas foi assim, logo que nos conhecemos, não nos largámos mais. Onde ia uma, ia outra. Chorava uma, chorava a outra – como se fossemos gémeas. Muitas vezes nem era preciso falarmos para nos entendermos. Bastava um olhar e uma sabia logo o que a outra queria. E foi assim pela vida fora. A nossa mãe dizia que parecíamos “ o roque e a amiga. Guardávamos segredos sobre namorados. Namorávamos às escondidas, pois naquela altura não se podia namorar sem a autorização dos pais. Vestíamos as roupas uma da outra. Mas esse hábito das trocas de roupas ficou até muito tarde, até mesmo com as minhas outras irmãs isso também acontecia”.

Celeste Rodrigues não foi uma mulher de fé, acreditava naquilo que via e sentia.

“Não sou uma Mulher de Fé! Creio no sol, na água, no oxigénio, na natureza. E no amor! Acredito naquilo que sinto, mas não sou crente. A minha família era toda religiosa: rezava os Pai-Nossos, as Avé-Marias, as Salvé-Raínhas, antes de comer, depois de comer … Nunca senti necessidade de acreditar, de ter fé. Não tenho sentimentos negativos, nunca senti raiva de ninguém!”

A família sempre foi uma prioridade na vida da Celeste Rodrigues

“Todos os meus netos são muito agarrados a mim. Não posso dizer que exista um preferido, pode-se dizer que se entende melhor certas coisas…  Não tenho mais amor por uns do que por outros. Com o Diogo posso dizer que me entendo melhor. Ele entende-me e eu entendo-o. Nunca nos zangamos”.

“O Diogo fez lá o liceu, na América mas depois quis vir para Portugal. Veio viver para a minha casa. Aliás, tenho a impressão que foi por causa do fado que ele veio embora, para andar comigo para todo o lado. E ainda hoje vai comigo para onde eu vou.  Acabou por se tornar o meu agente.”

 

Gaspar, o filho mais novo do Diogo Varela Silva, aprendeu a tocar guitarra portuguesa para poder acompanhar a bisavó.

“Eu respondia sempre que quando ele soubesse tocar guitarra já eu tinha ido “viajar”. O que é facto é que aprendeu. Tinha razão! Já me acompanhou várias vezes. Como eu quero viver pelo menos até aos 100 anos, ele ainda tem muito tempo para me acompanhar.”

 

Celeste Rodrigues uma força na natureza e a melhor herança que pode deixar aos netos e aos bisnetos

“Estar vivo é uma coisa maravilhosa. Desde que a pessoa esteja como eu estou! Tenho muito prazer na vida. Abrir os olhos ver e ouvir coisas maravilhosas. Tanta gente que diz que a vida é uma chatice… nem sabem o que dizem!”

“A alegria reina sempre na nossa casa, pois só o facto de estarmos vivos já é uma razão para estarmos todos contentes. Há muita gente que não é feliz com medo de viver. As pessoas são exigentes demais, acham que precisam de muita coisa para viver, não valorizam o que têm. Tantas vezes que me sinto contente com coisas mínimas, é tão bom!…”

“Financeiramente não deixo herança nenhuma! A vida dá-nos o conhecimento e essa é a herança deles. A maior herança que eles recebem de mim é o amor que tenho sentido por eles e esse é o valor mais nobre que lhes posso deixar.”

 

Celeste Rodrigues nunca se preocupou com a fama.

“Nunca foi esse o objetivo, nem o que me movia. Não era o meu sonho. Eu queria ser aviadora! Imaginem, eu que tenho medo de andar de avião… Achava que devia ser lindo andar lá em cima, no meio das nuvens, achava poético, romântico. Ao longo dos anos já viajei muito. É engraçado que tenho medo dos aviões, mas vou!”

“Esta é a minha natureza. Salto o muro, quero ver o que está do outro lado.

Agora da fama sempre fugi!”

“Vou para o palco para cantar. A minha finalidade é cantar pois as pessoas estão lá para me ouvir. Depois, vou-me embora. Não sei o que os outros sentem. Não me choca quem cante só pela fama! Não gosto do julgamento alheio, e não costumo julgar os outros. Eu entendo as pessoas, cada pessoa tem a sua maneira de ser, acabamos por ser todos diferentes. Não sou de julgar que este canta bem ou canta mal, podem ser diferentes de mim e não quer dizer que cantem mal. Não sou eu que estou certa e os outros estão errados! Uns sentem duma maneira e outros sentem de outra.”

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Crónica de Alice Vieira sobre Celeste Rodrigues

Publicada no Jornal de Mafra e na Revista Nova Gente

NA MORTE DE CELESTE RODRIGUES

 

Alice Vieira

 

“Sempre tentei não ligar às coisas más. Para mim, o importante são todas as coisas boas que a vida me deu. O resto esqueço. Talvez por isso ainda continue a  cantar, na minha idade, já viu? Mas eu não me sinto com a idade que tenho, é verdade. Há dias tinha almoçado num restaurante e chamado um táxi para voltar para casa, e a empregada disse-me “ vá, dê-me o braço que eu ajudo-a a entrar para o táxi”. E eu, ”está-me a chamar velha, é?” Pois…É que eu não sei o que é ser velha… Claro que há coisas que já não posso fazer, evidentemente…Namorar, por exemplo…Mas gosto muito de me divertir, gosto de me distrair, adoro “trapos”, adoro ir às compras. Adoro poder fazer a vida que eu quero. Olhe…Vou-lhe dizer uma coisa: não tenho telemóvel! Palavra! O meu neto Diogo está sempre a insistir comigo mas eu já disse que não quero! O quê? Para toda a gente saber onde é que eu ando? Isso é que era bom…”

Celeste Rodrigues– 95 anos feitos em Março, e ainda a entusiasmar quem a ouve, como ficou provado no último recital que deu, em Maio, no Tivoli.

Uma voz que lhe sai das entranhas. Uma voz rouca como nunca teve, a   não ser quando começou a envelhecer. Lembro-me do meu espanto quando ouvi aquele extraordinário CD que gravou em 2002. Que voz era aquela? Como é que, de repente, à beira dos 80, se podia ter uma voz assim?

Celeste Rodrigues– que conseguiu libertar-se do rótulo que durante anos lhe colaram à testa: irmã da Amália.

Mas não há nada, no seu discurso, que dê a entender mágoas, ressentimentos.

Nada disso.

Diz que sempre se deram muito bem, desde que aos 5 anos veio do Fundão, onde ambas nasceram, e olhou para a irmã, mais velha três anos e há quatro a viver na capital com os pais, e que só se lembrava de ver em fotografia.

“Cada uma tinha o seu fado. Mas andávamos juntas para toda a parte e ela dizia sempre que a irmã mais nova também cantava. E acabou por ser ela a empurrar-me… Cantei muitas coisas…Mas o  meu primeiro grande sucesso, o que fez com que eu deixasse de ser apenas “a irmã da Amália” foi… ai que horror… aquela coisa chamada “Olha a Mala”… A letra era horrorosa mas estavam sempre a pedir e eu tinha de cantar, até que um  dia eu disse, “pronto, acabou, não canto mais esta coisa.” E afirma que os seus fados preferidos são “A Lenda das Algas”, “Saudade Vai-te Embora”, “O meu Xaile” e o “Fado Celeste”

Depois de uma longa vida por casas de fado, retiros, 60 discos gravados, tournés pelo estrangeiro, cinema, teatro, amores e desamores— diz que ainda quer fazer muita coisa.

“O quê, ao certo, não sei. Mas não gosto de estar parada. Aos 80 anos comecei a pintar, imagine . E dizem que nem pinto mal…E escrever, também escrevo umas coisas, uns desabafos, umas histórias para crianças, mas só para mim, não mostro a ninguém.”

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Mas vai-se confessando “preguiçosa”…Tem um novo disco em preparação mas ainda não sabe quando estará pronto

Aos 95 anos, gosta de se vestir bem, sempre. De pôr baton vermelho. De pintar o cabelo. De ter muita gente em casa. Do barulho.

Gosta de cantar com a geração mais nova. E tem um  certo orgulho por saber que o seu bisneto Gaspar , actualmente com 14 anos, aprendeu a tocar guitarra para a poder acompanhar. Sente-se –e o neto Diogo afirma-o muitas vezes—que ela é , e foi sempre, o pilar da família. Que, para ela, esteve sempre em primeiro lugar. Por isso  talvez não tenha tido a carreira que poderia ter.  Por isso diz que nunca quis ser vedeta, o que sempre preferiu fazer foi cantar nas casas de fado.

Ou seja : cantar. Sempre. Todos os dias. Quando vê Lisboa, quando olha para o mar, as suas paixões.

“Acho que não canto mal… Mas não faço nada para tratar da minha voz…Nada…Como gelados, azeitonas, durmo pouco… Mas não bebo álcool nem café…E deixei de fumar há 8 anos ,quando tive um efisema pulmonar…     Canto sempre, todos os dias…Acho que só quando estou a dormir é que não canto…O fado é a minha vida..Mas a vida artística, estar hoje aqui, amanhã ali, horários rígidos… isso nunca me atraiu…A família, os amigos, isso é que é importante.E sabe como é que eu um dia gostava de ser recordada? Gostava que as pessoas dissessem de mim: “era uma boa pessoa”. Isso é que é realmente importante.”

Na revista Nova Gente

08/08/2018

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